A face
popular da música carioca no Brasil da Primeira República
Epígrafe: Poderíamos
dizer que, neste quadro, o músico representa a farmacopéia. E não há quem não
veja quão maravilhoso campo se lhe oferece; tanto mais, que numa certa altura
não se trata apenas de um problema de tensões, mas também de considerações
estéticas agindo numa esfera mais ampla da sensibilidade do paciente. (Sérgio
Magnani, 1989, p.55.)
RESUMO: O texto aborda o sentido da musicalidade
popular brasileira como parte
formadora da identidade cultural do país. Esta abordagem está inserida no
contexto da Circularidade Cultural que aponta a intercomunicação entre
diferentes classes, dentro de um patamar de aceitação e de contradições sociais
que estiveram presentes no Rio de Janeiro, durante a primeira República do
Brasil.
Esta
pesquisa vem contemplar a formação sociocultural da música popular brasileira,
tratando das contribuições culturais que promoveram a consagração da música
popular, que integrou diferentes influências das camadas sociais componentes da
sociedade carioca no início do século XX.
Hoje
o samba constitui um dos maiores ícones da representação cultural do Brasil;
mas como esta face popular alcançou reconhecimento nacional e mundial de
identidade cultural da nação? Quem foram seus protagonistas numa luta social
que envolvia uma elite pretensamente progressista e adepta de valores
positivistas e, de outro lado, uma população mestiça e de ex-escravos que eram
marginalizados, mas ainda assim puderam mostrar sua originalidade cultural e
conquistar grandes públicos com a peculiaridade de seus ritmos, canções e
cotidiano?
Este
trabalho, antes de responder a tais questões, buscará ainda se debruçar a um
olhar crítico sobre a sociedade, moral e comportamentos que moldaram o amálgama
da multiplicidade e da circularidade cultural de nossa etnia.
Em
se tratando de espaço e temporalidade, falo da capital federal da Primeira
República, o Rio de Janeiro, entre 1890 e 1930, num período que vai desde a
Abolição da escravatura à instalação da indústria fonográfica pré Era do Rádio.
São
objetivos deste trabalho, compreender uma das faces da formação cultural
brasileira dentro de origens populares e miscigenadas para a criação e
divulgação da música popular brasileira, investigar a história da vida social
carioca do início do século XX até meados de 1930 (antes da Era do Rádio),
através da biografia de músicos e fontes jornalísticas a respeito de artistas
do samba e do chorinho, comparar as representações musicais das melodias e
líricas criadas nesta época, com os parâmetros morais vigentes, de discriminação,
preconceito, injustiças e por outro lado evidenciar a disposição popular para a
poesia, as festividades e a superação de suas precárias condições, aproximar a
vertente da história da música popular brasileira da perspectiva da história
cultural e das mentalidades e disponibilizar recursos e metodologias
investigativas que possibilitem o estudo da História através da música.
Serão
destacados alguns artistas que participaram deste momento histórico e que puderam
representar através da música certas faces das tensões sociais em curso, dentro
das relações humanas, de questões profissionais, dos sentimentos intrínsecos às
líricas e melodias, dos valores morais e políticos desta época. Dentre os
destaques estão: Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha e Noel Rosa, não esquecendo
tantos outros poetas que deixaram sua marca na história da música popular
brasileira.
Em
se tratando de música e sociedade, a linha teórica seguida é de História e
Cultura, uma vez que através da caracterização social dos primórdios do samba e
do chorinho, poderemos verificar parâmetros da vivência e circularidade
cultural das camadas urbanas do Rio de Janeiro, envolvidas em situações de
lutas sociais e pessoais por direitos, contra o preconceito e injustiças,
frente a contradições de interesses das elites e dos populares, mas também
levando em conta a representação cultural das emoções em jogo nas apresentações
musicais, nas festividades, nos encontros dos cafés e salões desta época.
O
Rio de Janeiro, como capital do Império em fins do século XIX, passava por uma
situação de transformação social e política que resultaria na proclamação da
República do Brasil; entretanto o advento da República não representava
realmente uma quebra de paradigmas de dominação das elites ou a determinação de
direitos civis e do liberalismo econômico, ao contrário disto, consolidava as
bases do pensamento positivista, com seu idealismo etnocêntrico, afirmando que
o progresso desta nação seria conquistado através da ordem – assumida pela
força militar, e o predomínio das elites agrárias, de formação europeizada, no
controle político do país. Isso condicionava necessariamente o expurgo das
classes populares e miscigenadas do centro da cidade e dos centros das decisões
políticas do país.
Foi
neste ensejo de exclusão social que as camadas populares urbanas do Rio de
Janeiro - reunidas entre ex-escravos, imigrantes operários e migrantes
nordestinos - se direcionaram aos morros cariocas e foram criando uma
identidade própria de luta por reconhecimento e qualificação social em contraste
com uma expressão de lírica musical que se tornou cativante e integradora das
comunidades, conquistando inclusive a face erudita das altas classes.
Mais
adiante, no curso da história do início do século XX, houve uma motivação
intelectual, direcionada pelo movimento Modernista, para a assimilação do povo
miscigenado do Brasil, como podemos verificar também na obra de Gilberto
Freyre, Casa Grande e Senzala, que
apresenta a vertente valorativa da miscigenação como elemento criador da
identidade e da autenticidade da cultura brasileira.
Partiremos agora por esta senda da
musicalidade popular que fez história no Brasil...
A
Primeira República se instalou no Brasil sob a bandeira do progresso. Este espírito
progressista anunciava a intensa fase de transformações políticas e sociais que
viriam acontecer no novo século. Entretanto existia uma clara contradição entre
as classes deste novo regime, como afirma Gilberto Dimenstein:
No fim
do século XIX, a Proclamação da República se fez sob a liderança de civis e militares, muitos
dos quais adeptos de uma vertente racionalista do pensamento que ganhava força
no país: o positivismo. (...) Com
urna dependência econômica e intelectual, o discurso racionalista foi usado
muitas vezes em flagrante contradição com uma realidade da qual pouco podia se
orgulhar, mas que servia adequadamente aos interesses das elites agrárias e
conservadoras que estavam no poder. (DIMEISTEIN, 2008, p.99).
Nascia,
assim, uma nação sob o signo do preconceito, do militarismo e do coronelismo.
Em contrapartida, a classe dos esquecidos e marginalizados: de ex-escravos e
mestiços sem posses, tinha de conseguir alguma forma de sobrevivência dentro
dos limites a que estavam destinados, como pedreiros, entregadores, serviçais,
entre outros, sem contar na falta de acesso à educação e à participação
política. Dentro deste quadro social, se pensarmos bem, estavam estes, fadados
a ser a escória da sociedade. Entretanto, em se tratando de termos culturais,
estas classes populares, por mais marginalizadas que fossem, souberam preservar
sua identidade cultural, além de ter deixado sua marca em influências sonoras e
rítmicas desde o Brasil colonial.
Nestas
condições,
(...) acima
das falas dos que começavam a defender junto ao povo melhores condições de
vida, soavam palavras de ordem pautadas na tese da inferioridade de um povo
mestiço e negro e só diferiam quanto às estratégias recomendadas para
revertê-la. (PATTO, 1999)
Neste
contexto social não se pode falar em culturas distintas e incomunicáveis, ao
contrário, a circularidade cultural entre estas classes não pôde ser contida,
mesmo com a vertente positivista e preconceituosa das elites.
As
classes populares brasileiras, sutilmente e mediante intensa luta social,
determinada por valores morais, por fim, puderam conquistar seu lugar na
sociedade, principalmente no âmbito do reconhecimento cultural.
Assim,
[...] três
raças fundem-se no samba, como num cadinho. [...] No samba desaparece o
conflito das raças. Nele se absorvem os ódios da cor. (Fantasio, pseud. de
Olavo Bilac, Revista Kosmos, maio, 1906 in DANTAS, 2009).
Ainda
neste parâmetro de tensões sociais, buscarei nas referidas fontes musicais,
tais representações culturais de sentimentos subjetivos e externos às camadas
populares.
Como
parâmetro metodológico, procuro trabalhar com a noção de Circularidade Cultural
emprestada do historiador Carlo Ginzburg, que em sua obra O Queijo e os Vermes
(1987, p.13), afirmava o “(...) termo circularidade: entre a cultura das
classes dominantes e das classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial,
um relacionamento circular feito de influências recíprocas que se movia de
baixo para cima, bem como de cima para baixo (...)”. Desta forma retratando
“(...) o influxo recíproco entre cultura subalterna e hegemônica,
particularmente intenso na primeira metade do século XVI.” (GINZBURG, 1987,
p.13). E assim, aproximando esta noção da realidade brasileira da Primeira
República, também podemos ver claramente tal mecanismo de inter-relação entre
as classes urbanas da capital federal, que mesmo submersas em uma dicotomia
moral contraditória, ainda mantiveram e desenvolveram-se dentro de um intercâmbio
cultural que direcionaria a formação da identidade e originalidade da cultura
brasileira.
Das
fontes documentais pesquisadas, encontrei no acervo da Biblioteca Nacional
(RJ), periódicos do início do século XX, reportando matérias sobre a música
brasileira, o carnaval no Rio, retirados da Revista América Latina, de 1919 e
sobre as tradições culturais, na Revista Kosmos, de 1907. Estes documentos nos
reportam à visão da intelectualidade elitista do período, retratando seus
valores e intenções perante a nação em formação.
Por
fim, mas não menos importantes, foram escolhidas algumas obras musicais de
artistas representativos da, já citada, circularidade cultural, que promoveram
esta integração entre as classes, resultando na formação de uma das identidades
culturais do Brasil, através da música popular. Entre eles serão destacados os
trabalhos de Chiquinha Gonzaga, com a obra O
Gaúcho (Corta Jaca), Pixinguinha, com Samba
de Fato, e Noel Rosa, com Filosofia.
Estes artistas foram selecionados, não desmerecendo os demais, porque suas
obras deixam clara a miscigenação étnica e cultural desta nação, além de
retratarem seu valor na composição musical e as novas estruturas do cotidiano
urbano e popular que se desenvolviam no país.
Como
referências bibliográficas, busquei fontes de autores que se debruçaram em
longos estudos da musicalidade brasileira, como a contribuição de José Ramos
Tinhorão em História Social da Música
Popular Brasileira, de Luiz Tatit, a obra: O século da Canção, de Almirante o livro: No Tempo de Noel Rosa.
Desta
lista, o primeiro autor, J.R.Tinhorão, faz um apanhado mais completo e complexo
de análise da musicalidade popular brasileira, se remetendo a estudos que vão
desde o Brasil colonial até o contemporâneo. Os seguintes autores direcionaram
seus estudos a épocas específicas e mais recentes, assim como em Luiz Tatit que
trabalha com as estruturas formais e históricas da canção popular durante o
século XX e Almirante que aborda registros de sua vivência como músico e
parceiro de Noel Rosa, contando situações cotidianas de sua experiência
musical.
1.1
A MÚSICA POPULAR NOS PRIMÓRDIOS DO SÉCULO XX
A
Circularidade Cultural do Brasil se apresenta, na vertente musical, desde a
época colonial, com inter-influências das diferentes etnias que compuseram a
população brasileira.
Mas
foi em meados da segunda metade do século XIX, que esta característica social
tornou-se latente na busca, dos músicos, de consolidar uma identidade cultural
original da nação recém-independente da metrópole portuguesa. Neste processo,
dois autores da música erudita, conseguiram se destacar e prenunciar as novas
estruturas musicais do Brasil, falo de Carlos Gomes e Heitor Vila Lobos. E
neste intermeio, entre o erudito e o popular, a figura significativa do
período, responsável por romper com velhos tabus e preconceitos, foi Chiquinha
Gonzaga (1847-1935), a primeira maestrina brasileira, representante ativa de várias
lutas sociais, como a Abolição da escravatura e a Proclamação da República, uma
mulher realmente a frente de seu tempo, que compunha partituras e as vendia
como forma de sustento de sua família, uma vez que abandonara sua estabilidade
de classe média, ao deixar seu marido militar, aos 18 anos.
A
respeito desta artista, o importante aqui, é falar do intercâmbio cultural
entre as classes erudita e popular, por ela promovido, através de sua
musicalidade. Chiquinha fora criada para ser sinhá; com formação clássica de
piano, mas que ao longo de sua história pessoal, envolvera-se nos mais diversos
campos desta arte, fazendo desde apresentações em teatros e salões de alta
classe, até entre os músicos populares da boemia carioca.
Resultado
disso podemos perceber em suas composições musicais, como em O Gaúcho (Corta
Jaca), de 1914, que apresentava a cadência do tango amaxixado, entre violinos e
piano, mas com sonoridade do tempero popular da voluptuosidade, e com Ó Abre
Alas, de 1899, marcha carnavalesca, encomendada por um negro participante do
grupo Rosas de Ouro, composição que sobrevive como marcante de todos os
carnavais até os dias de hoje.
Apesar
dos preconceitos de sua época, Chiquinha conquistaria seu público, como afirma
José Ramos Tinhorão, em A História Social
da MPB (1990, p.191):
Descoberta a fórmula,
Chiquinha Gonzaga não terminaria o ano de 1913 sem tentar comercializar já
agora o sucesso do seu maxixe disfarçado de tango Não Se Impressione [...]. A partir daí, animada
pela voga das estilizações de ritmos populares - que tomou seu nome ainda mais
conhecido quando em 1914 a mulher do presidente marechal Hermes da Fonseca, D.
Nair de Teffé (Mme. Nair Hermes), tocou ao violão em récita no palácio seu tango
Gaúcho, com o nome de «Corta-jaca» [...]
[...] Ao lado de Costa
Júnior e de Chiquinha Gonzaga, outros músicos [...] tentaram esforçadamente
adaptar sua formação semierudita ao gosto das camadas mais amplas da cidade.
Vale
lembrar que esta era uma fase em que o conceito moral de nação ainda não era
reconhecido em toda a sociedade brasileira, mesmo porque, o aspecto de
identidade nacional ainda permanecia bem distante do ideário popular, que se
via destituído de qualquer participação pública e democrática no país, pois
quem o governava era, na verdade uma aristocracia pelega e clientelista, que se
utilizava dos desmandos da força policial para assegurar seus interesses e
privilégios.
Em
relação à marginalização social, especialmente dos negros, a atitude de
repressão oligárquica era constante, e a esse respeito, a autora Letícia Vidor
de Souza Reis (1999, p. 243), afirma:
Na verdade, o esforço conjunto das elites e do governo oligárquico da
Primeira República ia no sentido de contenção das assim denominadas “classes
perigosas”, especialmente no tocante à sua herança africana. Contudo, apesar
das vertigens que causava a Bilac e das tentativas de reprimi-la, a presença
negra foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade. E isso sob as formas
culturais sensíveis da música, da festa, do canto, da dança: havia a popular Festa
da Penha, a festa do Carnaval, as rodas de samba na casa das “tias” baianas (em
especial a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades carnavalescas (ranchos e
cordões), os salões de bailes populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
Um
pouco por isso, por serem destituídos de direitos e de participação pública,
esta classe popular de ex-escravos e pequenos funcionários serviçais, procurou
se agregar em uma identidade própria de convivência cultural, tentando galgar
um patamar de qualificação no sistema social, o que, desenvolveu-se através da
cultura musical, das festas populares, do Carnaval, das casas e salões de
música popular.
Foi também ao final do século XIX, que o
Entrudo, como aborda o trabalho de Lúcia Gaspar (2008)
Era no
tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em vez das
máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas d’água, os banhos, e
várias graças que foram substituídas por outras, não sei se melhores se
piores. (Um dia de entrudo, Machado de Assis)
As
famílias normalmente brincavam em um espaço privado, previamente escolhido. As
ruas e praças serviam de palco para as classes menos favorecidas, como os
homens livres pobres e os escravos. [...] Apesar de todos os protestos,
críticas e tentativas de condenar e proibir o Entrudo, especialmente os jogos
que se realizavam nos espaços públicos, o folguedo encontrava-se
muito arraigado no inconsciente coletivo do folião.
e os cordões do Zé Pereira, que eram grupos de
foliões organizados em fanfarras barulhentas, anunciando a chegada do Rei Momo (PORTAL
SÃO FRANCISCO), começaram a ser reprimidos pelos órgãos de governo e militares,
por serem tradições populares que excitavam a “barbárie” das camadas populares,
tentando transferir estas práticas carnavalescas para algo parecido aos
Carnavais venezianos e para festas a fantasia em salões da elite. Entretanto,
não tiveram sucesso nessa empreitada, pois o Entrudo e os Zé Pereiras eram
juntamente das festas religiosas, as únicas manifestações da cultura popular
possíveis de serem realizadas de forma mais libertária. A esse respeito, Samuel
Araújo (org.) (2005, p. 83) descreve
a situação:
Cumpre assinalar ainda que, por volta de 1890, o entrudo, prática
carnavalesca de rua que envolvia atirar indiscriminadamente limões de cheiro
nos transeuntes, e outros tipos de comportamento “desregrado” durante o
carnaval, incomodavam principalmente as elites “civilizadas” e tinham destaque
em notas como esta de 14/01/1892:
[...] Se bem que estejamos próximos do Carnaval acreditamos não ser
precisamente este o meio de festejar a sua breve chegada. Pelo que pedimos a
autoridade local que faça por ali rondar amindadas [sic] patrulhas a fim de que
os importunos carnavalescos moderem o entusiasmo.
A
passagem para o século vinte se apresentava na sociedade brasileira sob o
espectro da modernidade e do progresso. Esta ideia de progresso já era notável
desde o final do século XIX, com as tendências positivistas que influenciaram a
política da “Ordem e Progresso” da nação, que se baseava em parâmetros europeus
de industrialização e desenvolvimento e que envolviam as camadas altas e médias
da capital brasileira com a perspectiva das novidades do progresso que surgiam:
a luz elétrica, o saneamento urbano, o telégrafo, o telefone, os automóveis e o
cinema. Entretanto, neste mesmo contexto de reforma urbanística do Rio de
Janeiro, a população residente das áreas centrais, próximas ao porto da
Guanabara, composta principalmente de trabalhadores do cais e de ex-escravos,
era desapropriada deste terreno, por ordens judiciais e sob o aparato policial
que os transferiu sorrateiramente aos morros, dando origem às primeiras favelas
cariocas, como a do Morro da Penha, de Santa Tereza, do Canta-Galo, da
Mangueira, do Salgueiro, entre outros.
Mas foi justamente nesta área central do Rio de Janeiro, – tão incômoda e bárbara, aos olhos da elite – entre a praça XI e o Largo da Carioca, que as comunidades populares se reuniam entre os afazeres diários do trabalho, entre encontros musicais e boêmios dos cantores populares e também entre rituais religiosos do candomblé trazidos pelos migrantes baianos que ocuparam esta área após a Abolição da escravatura. Este cenário era chamado de “A Pequena África”, local que se destaca na História por ter concentrado o grande reduto dos negros e baianos que se instalaram na área do porto carioca desde o final do século XIX. Neste ponto foram formadas as primeiras organizações carnavalescas e musicais, de capoeiras e de terreiros de candomblé. Numa de suas casas houve a criação do primeiro samba brasileiro, Pelo Telefone, gravado por Donga, para o Carnaval de 1917. Esta era a Casa de Tia Ciata, cuja proprietária, Hilária Batista de Almeida, era negra, mãe de santo e migrante baiana, que juntamente de suas irmãs de santo e de seu marido, montaram nesta casa um recinto cultural onde em suas diversas salas, recebia clientes de seus quitutes, músicos populares variados que apresentavam peças do chorinho ao samba, dentre estes, podemos citar, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Sinhô, João da Baiana, Catulo da Paixão Cearense, João da Mata, etc, além de fazer consultas medicinais e ritualísticas do candomblé.
Mas foi justamente nesta área central do Rio de Janeiro, – tão incômoda e bárbara, aos olhos da elite – entre a praça XI e o Largo da Carioca, que as comunidades populares se reuniam entre os afazeres diários do trabalho, entre encontros musicais e boêmios dos cantores populares e também entre rituais religiosos do candomblé trazidos pelos migrantes baianos que ocuparam esta área após a Abolição da escravatura. Este cenário era chamado de “A Pequena África”, local que se destaca na História por ter concentrado o grande reduto dos negros e baianos que se instalaram na área do porto carioca desde o final do século XIX. Neste ponto foram formadas as primeiras organizações carnavalescas e musicais, de capoeiras e de terreiros de candomblé. Numa de suas casas houve a criação do primeiro samba brasileiro, Pelo Telefone, gravado por Donga, para o Carnaval de 1917. Esta era a Casa de Tia Ciata, cuja proprietária, Hilária Batista de Almeida, era negra, mãe de santo e migrante baiana, que juntamente de suas irmãs de santo e de seu marido, montaram nesta casa um recinto cultural onde em suas diversas salas, recebia clientes de seus quitutes, músicos populares variados que apresentavam peças do chorinho ao samba, dentre estes, podemos citar, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Sinhô, João da Baiana, Catulo da Paixão Cearense, João da Mata, etc, além de fazer consultas medicinais e ritualísticas do candomblé.
Vejamos como aborda este contexto nas palavras de José
Ramos Tinhorão, em A História Social da MPB (1990, p. 218):
Assim, estabelecida
desde a primeira república a perseguição sistemática contra as rodas de batuque
da Festa da Penha, ou dos pontos de reunião de capoeiras especialistas em
pernadas ao som de estribilhos marcados por palmas – [...] os locais mais
seguros para as reuniões da gente das comunidades mais pobres passaram a ser as
casas das famílias dos baianos mais bem sucedidos. [...] principalmente, a de
Tia Ciata, da Rua Visconde de Itaúna 117, vizinha da Praça Onze de Junho,
funcionavam até inícios da década de 1920 como verdadeiros centros de diversão
popular.
Podemos dizer que não há uma extensa produção historiográfica
sobre a música popular brasileira, a maioria das obras referentes ao assunto
provém de autores do jornalismo e de biógrafos, entretanto, aqui foram
selecionados estudos de historiadores musicólogos que direcionaram sua análise
sobre a temática da música popular.
Entre estes destaco a produção historiográfica de José Ramos
Tinhorão, que fez toda uma gama de obras a esse respeito, resgatando a história
da música popular desde os princípios da colonização brasileira. Neste estudo,
o enfoque central será feito sobre a obra: História Social da Música Popular
Brasileira.
Neste livro, o autor discute a formação dos principais
gêneros musicais populares e seu desenvolvimento na sociedade brasileira desde
o período colonial até a década de 80 do século XX.
Mas concentramos aqui a abordagem que vai desde o final do
século XIX até a época dos anos 30. Em sua visão da História Social, este autor
vem suscitar o momento histórico da transformação socioeconômica do Brasil
durante o ciclo do café no sudeste do país, dizendo que nesta fase houve uma
“multiplicação de obras e negócios” que ao implicar na divisão do trabalho, ia
alterar a simplicidade do quadro social herdado da colônia e do primeiro
reinado. E isso se traduzia no aparecimento, “ao lado da moderna figura do
operário industrial [...], das camadas algo difusas dos pequenos funcionários
de serviços públicos [...]”. (TINHORÃO, 1990, p.152)
Este quadro social reflete a formação das novas classes
sociais da capital da República, decorrentes de uma urbanização ligada a novas
perspectivas industriais e capitalistas da divisão do trabalho e dos servidores
públicos e burocráticos. Dentre estas divisões de classes, as elites burguesas
contavam com formas de expressão cultural e de reuniões para lazer em clubes e
bailes luxuosos nas salas de concerto, mas aos pequenos burocratas e funcionários,
suas formas de lazer estavam concentradas em “[...] reuniões e bailes nas salas
de visitas, ao som da música mais comodamente posta ao seu alcance: a dos
tocadores de valsas, polcas, schottisches e mazurcas.” (TINHORÃO, 1990, p.153)
Esta era a melhor forma encontrada naquele sistema de relações sociais, para se
localizarem num espaço próprio de participação e de interação social. Ainda
assim, como diz o autor, “E por serem bailes modestos, <> receberam logo o nome depreciativo de
forrobodó, maxixe ou xinfrim [...]”. (TINHORÃO, 1990, p.153)
Nestes ambientes desabrochavam os músicos chorões,
identificando pelo nome de “choro” sua forma de cantar em serestas de lamentos
e romantismo. Estas aconteciam em “festas simples onde imperava a
solidariedade, a alegria espontânea, a hospitalidade, a comunhão de ideais e a
uniformidade da vida.” (TINHORÃO, 1990, p.154)
Era uma época, em fins do século XIX, onde o sucesso de uma
música ou de seus autores e interpretes dependia do reconhecimento público, da
divulgação boca-a-boca e seu retorno financeiro dependia da venda de partituras
e contratos eventuais para festas e bailes.
Percebe-se aqui que apesar da população brasileira ainda não
ter desenvolvido o sentimento de nacionalismo e de identidade cultural, em virtude
de sua formação diversificada em etnias e da inserção de grandes contingentes
imigratórios de diversas partes do mundo, esta integração cultural tomou conta
das relações de vivência e luta das camadas populares para se firmarem como
partícipes da ação social do país.
Os grupos de serenata e chorões sobreviveram dentro das
tradicionais reuniões familiares até a década de 1920, quando desde então a
música enveredou por um novo caminho de produção e divulgação: a indústria
fonográfica.
Comenta Tinhorão que após a 1ª Guerra Mundial abriram-se
novos campos de interferência cultural no Brasil, provindos da ascensão norte americana
ao controle do capitalismo mundial, ocasionando a introdução no Brasil dos
modelos de cultura norte americanos assim como a importação de seus produtos
comerciais e da organização de seu modelo industrial. Dentro deste contexto,
desenvolvia-se a perspectiva da produção comercial da música, que passava a ter
valor mercadológico, influenciando diretamente na profissionalização dos artistas
e na produção e escolha de suas criações musicais, que neste caso, deviam estar
direcionadas ao produto mais aceito pelos consumidores. Foi neste ensejo que o
samba começou a ser notado como forma musical propícia a este mercado e viria
emergir “como primeira e mais avassaladora contribuição das classes mais
baixas, enquanto a classe média já dividia seu interesse com a música dos
jazz-bands imitados dos norte-americanos.” (TINHORÃO, 1990, p.159)
O samba, surgido em reuniões populares nas casas de Tias
Baianas do centro do Rio de Janeiro, agregava características de batuques dos
terreiros de candomblé assim como das danças de umbigadas. Este ritmo era
acompanhado por palmas e instrumentos como o cavaquinho, o pandeiro e o violão,
tendo como base da canção a letra compassada dos versos que seguiam a batida da
percussão, com um refrão repetitivo entre as estrofes.
Apesar do samba ser bem aceito entre as camadas populares, a
princípio do século XX, os sambistas sofriam “uma perseguição sistemática
contra as rodas de batuques da Festa da Penha, ou dos pontos de reunião de
capoeiras especialistas em pernadas ao som de estribilhos marcados por palmas.”
(TINHORÃO, 1990, p.218)
Para escaparem do aparato policial, os sambistas passaram a
reunir-se nas “casas de famílias de baianos bem sucedidos” (TINHORÃO, 1990, p.
218) como a casa de Tia Ciata. Nestes ambientes havia uma divisão clara dos
espaços destinados a cada camada social, assim na sala de entrada:
“ficavam os mais velhos e bem sucedidos que constituíam o partido
alto da comunidade, cultivavam versos improvisados entre ponteados de violão
lembrando sambas sertanejos de roda, a viola; os mais novos, já urbanizados,
tiravam seu samba corrido cantando em coro na sala de jantar, aos fundos, e no
fundo do quintal os brabos amantes da capoeira e da pernada, divertiam-se em
rodas de batucada ao ritmo de estribilhos marcados por palmas e percussão.” (TINHORÃO,
1990, p. 219)
As produções musicais que surgiam nestes ambientes populares
aos poucos iam ganhando espaço em outras áreas da cultura carioca, como nos
grupos carnavalescos, que lançavam suas composições em forma de marcha nos
desfiles de Carnaval, ou também eram apresentadas nos teatros de revista, como
afirma Tinhorão: “ora a revista lançava a música para o sucesso em todo o país,
ora o sucesso nacional de uma música era aproveitado para atrair o público para
o teatro.” (TINHORÃO, 1990, p. 188)
Notamos então o intercâmbio das relações culturais entre as
classes urbanas cariocas, que mesmo sob o espectro do preconceito, da exclusão
social e das injustiças na exploração do trabalho, ainda assim havia uma
comunicação cultural entre os diferentes substratos sociais, fruto do “cadinho”
de etnias e culturas que compuseram a nação.
A respeito da produção das camadas populares acrescenta o
autor: “viviam, no mesmo período histórico, um dinâmico processo de grande
riqueza criativa. Levados pela natureza excludente da economia a viver por si,
os componentes das camadas mais pobres [...] passaram a organizar-se culturalmente
para si.” (TINHORÃO, 1990, p. 263). Isto retrata o laboratório de experiências
culturais em que se transformou a música brasileira, contribuindo para a
integração de seus entes e para a construção de sua nacionalidade.
Desde os anos 20 a sociedade brasileira começou a enxergar
com outros olhos a música popular, que nas palavras de Tinhorão significava que
“A música dos <<nossos negros>> ou
do <> -
como então as classes mais altas diziam valia pelo exotismo, pelo cultivo dos <> ; que se recebia como <> ;
[...]”. (TINHORÃO, 1990, p. 223). Assim a música popular alcançava novos ares
na sociedade brasileira, que era influenciada pela imagem passada pelo jazz
norte americano, feita por negros e bem aceita pelas elites, como símbolo do
perfil excêntrico afro-descendente.
Este autor trabalha com fontes de periódicos da Primeira
República bem como registros literários e musicais de autores desta época e da
historiografia do século XX.
Outro autor que trabalhou o tema da musicalidade foi Luiz
Tatit em sua obra: O século da canção,
de 2004, com uma abordagem direcionada a sua formação acadêmica como músico e
linguista, concentrando-se em aspectos da formação da estrutura da canção
popular no Brasil, fazendo um percurso histórico que vai desde o final do
século XIX até os anos de 1990. Em seu livro trabalha com as tendências
melódicas e orais que compuseram a canção popular, como sendo a expressão
cultural de “Toda a sociedade brasileira – letrada ou não letrada, prestigiada
ou desprestigiada, profissional ou amadora – atuou neste delineamento de perfil
musical que, no final do século, consagrou-se como um dos mais fecundos do
planeta.” (TATIT, 2004, p. 12)
Afirma Tatit que o mote balizador da construção da música
brasileira, desde a época colonial, sempre foi a percussão e a oralidade,
engendrando a atuação do corpo e da voz dos artistas. (TATIT, 2004, p. 21).
Dentre os ritmos populares que se desenvolveram em princípios do século XX
estavam as modinhas que “além de romper as fronteiras nacionais e alcançar
enorme êxito em terras portuguesas, chega a se confundir com árias de ópera no
domínio erudito europeu.” (TATIT, 2004, p. 23).
Por outro lado estavam os batuques negros que dirigidos em
grande parte por um coro de vozes em rodas de danças voluptuosas eram voltados
ao lazer e a representações de cunho religioso – “canto responsorial” – ou do
cotidiano sofrido do samba que ali nascia. Tatit acrescenta que estas reuniões de
rodas de samba e capoeira na verdade representavam uma busca dos ex-escravos em
fundar “uma identidade no novo quadro social” e “poder se agrupar num espaço
próprio e renovar seus cultos aos santos [...] suas danças ancestrais.” (TATIT,
2004, p. 31). Entretanto este grupo em especial sofria forte preconceito das elites
que se pautavam ainda no ideário positivista, vendo nestas expressões populares
algo de profano, marginal e primitivo que, portanto deveria ser reprimido como
realmente fora feito pelos órgãos policiais. Por esta razão tais grupos viviam
a esconder suas práticas nos quintais das casas de Tias Baianas, como já
descrito por Tinhorão em A História
Social da Música Popular Brasileira.
As músicas que nasciam destes encontros festivos estabeleciam
uma “harmonia ética e social”, mas prescindiam de registro; era algo
espontâneo, feito ao calor do momento, com a contribuição de vários autores e
se tornavam conhecidas pela repetição e divulgação de seus participantes. Mas
esta relação descompromissada com a música viria a ser “abalada por um fator
externo ao seu cotidiano: a chegada das maquinas de gravação ao Rio de
Janeiro.” (TATIT, 2004, p. 34)
Nesta primeira fase de consolidação da indústria fonográfica
no Brasil ficou notável o processo de triagem musical que teria um “caráter de
intervenção cultural e, portanto, de demarcação histórica” (TATIT, 2004, p. 92)
em virtude das escolhas e da “seleção de valores, considerados respectivamente
desejáveis e indesejáveis” (TATIT, 2004, p. 93) àquele grupo de empresários da
música.
Assim delineava-se um novo campo de possibilidades aos
artistas populares que até aquele momento dependiam do público ou do teatro de
revistas para divulgarem suas criações.
Na primeira triagem, do início do século XX, era preciso
encontrar canções que se adaptassem ao incipiente processo de gravação e ao
gosto do consumidor e que pudessem gerar os lucros esperados por este mercado.
Foram então descartados os sons folclóricos, religiosos e de lutas de
capoeiras, assim como os sons instrumentais eruditos, que não eram possíveis de
serem reproduzidos naquele tipo de gravação. Era preciso localizar um estilo
musical que produzisse um “bom desempenho vocal” (TATIT, 2004, p. 94), o que
foi conseguido, como prova de teste, com os sambas de partido-alto que
respondiam ao que era necessário ao momento: “centralidade na melodia e letra
emitida pela voz e participação cuidadosamente controlada, em termos de volume,
ritmo e densidade timbrística, de instrumentos de corda e de percussão.” (TATIT,
2004, p. 95)
Numa segunda triagem outros gêneros entraram no contexto:
“canções pseudo-sertanejas”, “grupos regionais”, “canções de encontro” para os
Carnavais e músicas de “meio de ano”. (TATIT, 2004, p. 97)
Dentre os artistas populares em destaque neste período estava
Sinhô que “talvez tenha sido o primeiro cancionista que compôs com o objetivo
de fazer sucesso” (TATIT, 2004, p. 96) com o samba.
Desenvolvia-se então a característica da nova geração de
músicos populares, os profissionais em busca do sucesso, aqueles que melhor
respondessem aos pré-requisitos da gravação e que direcionassem sua criação ao
“fator identidade” (TATIT, 2004, p. 97) que pudesse aproximar o público
(sujeito) de seu objeto de expressão (o cotidiano).
Esta mudança histórica na forma de produção musical “Além de
despertar o espírito competitivo de seus prováveis parceiros, o violonista
abriria uma nova temporada de polemicas que, [...] contribuiu de modo decisivo
para a afirmação da linguagem cancional.” (TATIT, 2004, p. 122). Era o
nascimento da época da “canção como recado”, que se traduzia em polêmicas de
desafetos entre músicos que respondiam através de canções à disputa lançada. A
presença deste elemento central, a fala nas canções, fez com que os artistas
trabalhassem mais na elaboração de letras que se tornassem atraentes ao público
e a seu consumo, o que não parecia simples de se obter em princípios do século
XX, como vemos no caso de Pixinguinha que compunha incríveis obras
instrumentais no chôro, mas carecia de letristas que complementassem com boa
letra suas melodias e, conforme afirma Tatit, estes “eram raros e só surgiriam
em grande escala um pouco depois, já no tempo de Noel Rosa.” (TATIT, 2004, p.
125)
Uma nova fase musical se apresentaria no contexto social do
Brasil, agora próxima aos anos de 1930: a chegada do rádio que se tornaria a
grande fonte midiática de formação da opinião pública e consequente meio de
divulgação musical, por isso os artistas desta época “entregavam-se a um
verdadeiro artesanato cancional à procura de um modelo fecundo de criação.
Estavam solucionando seus problemas pessoais e, de passagem, inaugurando a
maior expressão artística de consumo do país.” (TATIT, 2004, p. 146)
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao governo do país, em 1930,
houve o desenvolvimento de um projeto político que abarcasse a “raiz musical
brasileira” (TATIT, 2004, p. 147), em prol do estabelecimento de “uma ideologia
nacionalista” (TATIT, 2004, p. 147), no qual o samba constituiria a expressão
máxima da nação dentro do patamar político de intenções centralizadoras do
nacionalismo.
Nas palavras de Tatit “o samba funcionaria como uma marca de
brasilidade – muito bem depreendida pelos ideólogos de Getúlio Vargas que
ensaiaram uma ampla manipulação popular através de seus artistas [...]” (TATIT,
2004, p. 149)
Este acabou sendo o passo fundamental na consolidação do
samba como ícone da representação nacional, pois tal ritmo além de representar
a voz do povo, tinha uma elasticidade tonal incrível, que condizia com o que
era esperado pelos empresários da fonografia e pelos interesses políticos em
voga. O samba podia ser desacelerado, valorizando a fala e a melodia como no
samba-canção, ou acelerado nas batidas da percussão e no coro de vozes,
chegando ao samba carnavalesco. (TATIT, 2004, p. 153)
Desde então o samba como interface da cultura popular
alcançou o patamar de símbolo nacional, agregando valores de diferentes etnias
e classes além de atender as expectativas do governo como representativo do
espírito nacionalista.
São fontes de pesquisa deste autor os periódicos e artigos de
músicos do inicio do século XX, como também partituras e canções e ainda o
complemento bibliográfico de autores que se debruçaram sobre o tema da
musicalidade popular brasileira.
O trabalho redigido pelo autor Henrique Foréis, o Almirante,
é um pouco diferente das obras aqui revisitadas, por tratar-se de uma obra de
cunho pessoal, feita em primeira pessoa, relatando vivências e experiências do
próprio músico e autor durante o período do século XX em que os primeiros
cancionistas populares procuraram firmar-se como artistas nacionais evolvidos
entre o profissionalismo de sua arte e suas fortes tendências boêmias e
descompromissadas. Em seu livro, No Tempo
de Noel Rosa, de 1977, Almirante retrata o nascimento do samba através do
uso de fontes históricas que ele próprio colecionou durante o tempo e por participar
muitas vezes da criação destas mesmas fontes ou por compartilhar de alguma
forma deste contexto. São fontes de partituras, letras, cartas deixadas por
artistas, dossiês de intelectuais, gravações originais, fotos, periódicos,
entre outras.
Almirante parte da análise de registros históricos que
suscitam a origem do samba, investigando nestes registros o significado que lhe
era atribuído, como primeiramente “dança de origem africana”, conforme atestado
por Câmara Cascudo em seu Dicionário
do Folclore Brasileiro, de 1954. (ALMIRANTE, 1977, p. 21). Depois
descreve as formas de convivência dos grupos que deram forma ao samba,
remetendo-se inclusive aos encontros na Casa de Tia Ciata, que deram origem ao
primeiro samba gravado, em 1917, por Donga – Pelo Telefone, e relatando a forma insípida de melodia e escrita
desta composição, já que seus compositores não eram músicos profissionais e por
isso faziam música de ouvido, sem estrutura formal. Mas devido ao sucesso deste
lançamento, criou-se uma polêmica a cerca de sua autoria, pois vários outros
músicos também requisitavam sua participação neste samba.
Nesta trajetória musical,
Almirante comenta a experiência folclórica do Grupo Caxangá em marchas carnavalescas
e da introdução do grupo dos Oito Batutas, liderados por Pixinguinha, nos
circuitos culturais da capital carioca e posteriormente nos cafés de Paris. (ALMIRANTE,
1977, p. 30). Mas a grande contribuição
de Almirante neste livro é referente à sua amizade com Noel Rosa, iniciada em
1923, quando ainda jovens fundaram o Bando Tangarás, perto de 1926, devido ao
crescente interesse público por temas regionais, quando se puseram a gravar
solos de violão e canções típicas com a ajuda primorosa de Noel Rosa nestas
composições. (ALMIRANTE, 1977, p. 43)
Desde então, Almirante passa a
contar toda a história familiar e musical de Noel Rosa, sempre contrapondo
relatos de amigos próximos a ele, com a análise de suas canções. Nestes relatos
o autor destaca o grande dom artístico de Noel Rosa como músico violonista e
exímio letrista que expressava o valor e a sutileza do cotidiano dos morros
cariocas em suas criações. Foi neste ensejo que Noel lançou a primeira mensagem
musical de devoção bairrista a sua gente da Vila Isabel: “Na Pavuna”,
despertando a onda de disputas musicais bairristas que seria uma característica
dos sambistas dos morros desde então. (ALMIRANTE, 1977, p. 71)
Noel alcançou sucesso entre o
público e o mercado musical quando lançou o samba “Com que roupa”, em 1927,
falando das dificuldades do sambista em colocar-se dignamente no quadro social
da elite preconceituosa e classista. Em 1932, Noel assumia seu primeiro
trabalho fixo como contrarregra do Programa Casé, na Rádio Phillips, este era o
momento em que se consolidava no Brasil a “Era do Rádio” como principal meio de
divulgação de notícias e de variedades, entre elas os programas musicais ao
vivo. No Programa Casé, Noel fazia um pouco de tudo e substituía as ausências
de convidados com improvisos de anedotas cômicas que despertou sua
popularidade, além de abrir campo para a divulgação de suas composições. (ALMIRANTE,
1977, p. 96 e 97)
A vida de Noel Rosa decorria entre diversos percalços, em
poucas palavras fora uma vida simples, desregrada e típica de boêmio: entre
bares, bebidas, serestas e amores de cabaré, além do sério problema de saúde
que teve de carregar, a tuberculose, que o debilitava frequentemente, levando-o
a diversas internações, que por fim não resultaram em melhoras significativas,
uma vez que ele sempre voltava àquela vida noturna que era seu maior prazer, e
muito por este motivo, sua vida tenha durado tão pouco, 26 anos, o que, no
entanto, não pode ser vista como sendo pouco significativa, ao contrário,
representou um imenso legado a música brasileira e à própria crônica social da
vida carioca dos anos 30, e como diria o humorista Grijó Sobrinho, em 1934, “-
Noel, o filósofo do samba!” (ALMIRANTE, 1977, p. 119) deixou sua marca e sua
história de amor pela música e pelo povo simples como fonte de inspiração para
toda uma geração posterior de sambistas e artistas da MPB.
Na busca de fontes históricas referentes ao tema da
musicalidade popular, encontrei em periódicos do início do século XX, artigos jornalísticos
que abordavam a temática sob a vertente do pensamento elitista da época, que
via na expressão musical um significado de esplendor puro da beleza estética e
por isso digna somente da perfeição de formas harmônicas do lirismo
europeizado.
Por outro lado, busquei também me aproximar da expressão
popular da musica brasileira, que durante este período ganhava espaço na
sociedade carioca, revelando artistas que traduziam o gosto e a peculiaridade
das camadas populares. Para tanto, enfoquei a análise em fontes da lírica de
canções de três artistas em especial: Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha e Noel
Rosa, em seus diferentes momentos históricos.
Fontes de Periódicos
A respeito dos periódicos pesquisados na Biblioteca Nacional
(RJ) em janeiro de 2012, foram localizadas várias publicações do início do
século XX, e em busca de referências quanto à cultura popular e à musicalidade
carioca, foram selecionados dois periódicos: A revista Kosmos, mensalmente
publicada no Rio de Janeiro, de 1904 a 1920, reunia artigos de generalidades
relativas à arte, ciência, história e literatura, contemplando discussões sobre
os problemas nacionais e municipais. O segundo periódico é a Revista América
Latina, de publicação mensal, desde 1914 a 1921, com temáticas de abordagem
científica, literária, musical, artística e sociológica, com autores de origem
intelectualizada que levantavam discussões críticas e formadoras de opiniões
dos leitores. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA
NACIONAL)
a)
Revista Kosmos, Rio de Janeiro, fevereiro de 1907.
Artigo: Tradições,
de Mário Pederneiras, páginas 64 a 66.
Disponível no
Arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte:
Primária
Este artigo foi publicado na semana posterior ao Carnaval de
1907. Seu autor assume a fala de uma mulher que acompanha um velho senhor
carioca no Passeio Público, à beira mar, durante a última noite de Carnaval.
Nesta crônica são descritas as transformações pelas quais
passava o Rio de Janeiro desde a Reforma Urbana, começada em 1904, como vemos
na passagem: “Que cousa linda já viste, que este povo em festa, feliz e
despreocupado, percorrendo esta encantadora rua larga e iluminada?”
(PEDERNEIRAIS, 1907, p. 64). Explicando
que desde então “a multidão não se comprime, não se esmaga, não se fere, como
nos detestáveis apertos da tua celebrada rua do Ouvidor.” (PEDERNEIRAIS, 1907,
p. 64); fazendo aqui referencias ao antigo circuito carnavalesco do Centro, de
ruas apertadas, sujas, sufocantes.
Também há referencias a mudanças na moda das vestimentas,
onde as mulheres abandonavam a “sêda custosa dos grandes dias” (PEDERNEIRAIS,
1907, p. 64) e os homens livravam-se das sobrecasacas e das cartolas,
incompatíveis com os verões cariocas.
Este autor nos remete ao saudosismo dos luxuosos bailes das
Sociedades Carnavalescas, com seu “desperdício fabuloso de lantejoulas” e
“daquela luxuriosa exposição de Carne” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 64). Fala também
da falta que faz os cordões do Zé Pereira, que trazia o povo em alegria atrás
da música “com aquelle incançável zabumbar alegre e forte” (PEDERNEIRAIS,
1907, p. 64) (sic), tradição esta que fora substituída pela “infindável série
de nossos melancólicos cordões de todas as cores, de todos os
nomes” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 65). Estes cordões eram o prenúncio do que viria
a se formar desde então: as primeiras escolas de samba cariocas.
Mário Pederneiras nos traz ainda a lembrança da graça dos
antigos “diabinhos”, que impedidos de circular nos carnavais, deram lugar a
“palhaçada grotesca destes clowns de agora” (PEDERNEIRAIS,
1907, p. 65). O autor finaliza sua crônica melancolicamente com: “Em
compensação, tu hoje tens ..., tu tens..., tens o..., tens a Avenida, o fon-fon
dos automóveis, a luz elétrica, o bom calçamento, as ruas largas, enfim todo
esse sumptuoso Carnaval que estamos
apreciando” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 65), sem no entanto deixar de revelar a
tristeza da perda significativa das tradições dos antigos carnavais em nome do
progresso. E despede-se, na pessoa da personagem, que diz: “Voce me conhece? Eu sou a Folia.” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 65).
Remetendo-nos ao contexto
histórico descrito nesta fonte, vemos a posição saudosista do autor quanto à
tradição popular do Carnaval, desorganizado e alegre pelas ruas centrais do Rio
de Janeiro, mas aponta para o significativo valor transferido pelas elites à
Reforma Urbana das avenidas centrais e pelo expurgo das camadas populares desta
região, que na visão do historiador Nicolau Sevcenko, em História da Vida
Privada no Brasil, dizia que: “Na verdade, [como constata João do Rio], surgiam dois
Rios de Janeiro frutos da reforma, o da Regeneração, da nova norma urbanística,
racional e técnica, e o outro, o labirinto das malocas, do desemprego
compulsório e ‘livre de todas as leis’”. (in REIS, 1999, p. 241).
Autoria de Mário Veloso Paranhos
Pederneiras (Rio
de Janeiro, 2 de novembro de 1867 — Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de 1915),
foi poeta e colaborador de A Gazeta de Notícias e da Revista Fon Fon. (http://www.consciencia.org/mario-pederneiras).
b)
Revista Kosmos, Rio de Janeiro, fevereiro de
1907.
Artigo: O Carnaval
no Rio, de Américo Fluminense, páginas 79 a 83.
Disponível no
Arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte:
Primária.
Na mesma Revista Kosmos, de fevereiro de 1907, outro
cronista: Américo Fluminense relembra a história dos Carnavais brasileiros
desde os “tempos coloniais”, começando com a frase: “O Carnaval dos nossos
antepassados era o entrudo.” “Já nos tempos coloniaes jogavam-no
desembaraçadamente. As máscaras eram tidas como prejudiciaes á ordem publica, serviam para ciladas, para os
levantes e crimes.” (sic) (FLUMINENSE, 1907, p. 79). Por esta razão fora
duramente reprimido pelos órgãos públicos do governo, que procuravam
atribuir-lhe o estigma da barbárie marginal dos negros e pobres, e, portanto
era necessário proibi-lo.
Entretanto, nosso autor não deixa de afirmar que “Por essas
prohibições o entrudo constituiu-se o mais aprazível folguedo carnavalesco.”
(sic) (FLUMINENSE, 1907, p. 79), com suas atividades de banhos à força,
seguidos da cobertura de farinha das vítimas. Também havia os ataques aos
transeuntes de limões de cheiro e de sua sarcástica ridicularização.
De outro lado, as elites reuniam-se em festividades nas
Sociedades Carnavalescas de clubes luxuosos, mas ainda assim, reclamavam às
autoridades dos perigos da violência popularesca do entrudo, que sendo
proibido, desde 1854, levaria às ruas o desfile de mascarados, em carros
alegóricos suntuosos, dignos da alta classe.
Conta-nos também este autor da história das origens dos
cordões do Zé Pereira, que com sua procissão de foliões, seguindo a banda
musical, anunciavam a chegada do Rei Momo, nos sábados de Carnaval. Neste
ponto, o autor faz um reflexo sobre as mudanças estéticas da moda parisiense,
introduzida no Brasil e que influenciava nas tendências das novas criações de
fantasias carnavalescas. Além disto, são apontados ainda outros costumes acerca
das festas de Carnaval, como o uso de lança perfumes, que de início eram apenas
atirados em forma de brincadeira, mas aos poucos tornavam-se manifestações de “impulsos
da perversidade, queimando roupas, chamuscando braços e colos.” (FLUMINENSE,
1907, p. 81). E sobre as reuniões carnavalescas em clubes, afirmava que ano
após ano “Desappareciam uns, surgiam outros.” (FLUMINENSE, 1907, p. 81),
demonstrando sua inconstante incidência nas esferas da sociedade carioca.
Mas no âmbito popular o que prevalecia mesmo era o costume do
entrudo, que a este respeito, Américo afirmava: “De mais, parece que o entrudo, apesar de sua bruteza, das
moléstias que provocava e dos conflitos que despertava, afinava-se
perfeitamente com a nossa educação, porque muita gente boa tinha-lhe quéda.” (sic)
(FLUMINENSE, 1907, p. 82), incluindo-se aí, o Imperador D. Pedro II,
participante dos folguedos carnavalescos de Petrópolis.
Assim, mesmo diante das proibições da participação popular
dos festejos de rua, “Comtudo o Carnaval resistia, brilhava com a riqueza dos
prestígios, attrahia á cidade a grande massa da população.” (sic) (FLUMINENSE,
1907, p. 83).
Nesta crônica de Américo Fluminense, vemos claramente um
retrato histórico dos costumes carnavalescos do Rio de Janeiro, desde épocas
remotas da colônia, fazendo referencias às manifestações populares e às
elitistas e sobre as formas de controle policial destas manifestações populares
para proteger as camadas mais abastadas da população das perversas brincadeiras
dos foliões das ruas. Entretanto, mesmo diante das proibições do entrudo, esta
ainda prevalecia em meados do inicio do século XX como parte tradicional e mais
aprazível dos festejos do Carnaval carioca.
Autoria de Américo Fluminense que foi
um dos pseudônimos do escritor Gonzaga Duque. Luiz Gonzaga Duque Estrada (RJ 1863 — RJ, 1911)
foi um jornalista, crítico de arte, pintor e escritor. Atuou na
imprensa carioca escrevendo em jornais e revistas importantes da cidade: O
Paiz, A Semana, Diário
de Notícias, Folha Popular, Kósmos e Fonfon,
entre outros. (http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/literatura/gonzaga_duque/biografia.htm)
c)
Revista América Latina, Rio de Janeiro, agosto
de 1919.
Artigo: O actual
ambiente musical do Brasil, de Ywan d’Hunac, páginas 98 a 100. Disponível no
Arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte:
Primária.
O autor inicia seu texto dizendo que “O Brasil necessita de
uma vasta prophylaxia.” (HUNAC, 1919, p. 98), ou seja, necessitava de uma cura
urgente aos males sociais, desde o âmbito da saúde pública até o da saúde moral
e cultural. Ele faz um relato preconceituoso e classista acerca da musica
nacional, dizendo que a formação cultural do povo brasileiro esteve fadada ao
“estado primitivo e selvagem” das “negregancias endêmicas do nosso solo”
(HUNAC, 1919, p. 98) e, portanto isto se reflete na produção musical brasileira,
onde “os requebros lascivos do maxixe,
o batuque bárbaro do tango, a sem saboria indigesta da valsa nacional, não
devem preoccupar exclusivamente a attenção do nosso povo, nem se transformarem
em músicas typicas de nossa nacionalidade.” (sic) (HUNAC, 1919, p. 98).
Assim, Ywan d’Hunac deixa claro a desqualificação destes ritmos
musicais que tanto apraziam as camadas populares, que neste caso não podiam ser
consideradas formas artísticas, ao contrário, como afirmava o autor, “é ruído
com rythmo esdruxulo” (HUNAC, 1919, p. 99), que se afasta do significado da
pura arte, de harmonias perfeitas e belas, como verifica-se na arte dos mestres
europeus citados para exemplificar o real valor da música, como em Chopin,
Debussy, Beethoven, Verdi e Wagner.
Este autor apresenta então, como profilaxia do problema
brasileiro de cultura, a educação estética de seu povo, a fim de que pudessem distinguir
o que seria verdadeiramente belo na musica e descartar o que seria deplorável,
que neste caso, recaía sobre a música popular.
Neste sentido, afirmava Ywan: “O maxixe e o tango são a pimenta malagueta da musica; ninguém com
estomago equilibrado e sadio irá alimentar-se exclusivamente de pimentas; seria
um excesso deplorável a que a natureza castigaria com severidade.” (HUNAC,
1919, p. 99).
Entretanto, hoje sabemos que se enganava em grande parte este
autor, ao descartar os ritmos populares da caracterização da musicalidade
nacional, que crescia a passos largos tanto em aceitação entre a população
brasileira, quanto na representação internacional da cultura brasileira.
A esse respeito, Ywan d’Hucan acrescentava que “A musica
nacional, que ainda não existe, poderá vir a surgir um dia, com feitio próprio
e originalidade, sem empréstimos forçados ás mais ínfimas camadas dos elementos
heterogêneos que constituíram a nossa nacionalidade. ” (HUNAC, 1919, p. 99).
Dentre os autores do referencial teórico aqui estudado, José
Ramos Tinhorão seria o primeiro a manifestar seu repúdio a esta visão
preconceituosa do texto em pauta, uma vez que em suas obras, sempre privilegiou
a cultura popular, heterogênea e mestiça, de instrumentos simples e
musicalidade com tendência à oralidade, como a verdadeira face da identidade
cultural e musical do Brasil.
Ywan d’Hunac finaliza seu texto dizendo: “Preciso é sanar o
meio, educando o espírito do povo para as manifestações da verdadeira arte.”
(HUNAC, 1919, p. 100).
Mas, ainda assim podemos questionar, se o Brasil não possuía
música nacional, de onde surgiria a verdadeira arte proferida por este autor?
Não foram encontradas referências biográficas do autor.
d)
Revista América Latina, Rio de Janeiro, novembro
de 1919.
Artigo: A Musica
Brazileira, de Andrade Muricy, páginas 256 a 262. Disponível no Arquivo de
periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte:
Primária
Ao contrario do último autor da fonte acima analisada (Ywan
d’Hunac), neste texto Andrade Muricy afirma que a música nacional brasileira
carrega todo o valor de uma identidade nacional diversificada em termos de
etnia e criativa em termos de harmonia e canção. E diz: “Por isso, o folk-lore musical de um povo é uma
manifestação tão espontânea do gênio nacional quanto o folk-lore poético e o fabulario popular.” (sic) (MURICY, 1919, p.
256).
Este autor acrescenta que a formação da identidade cultural
de uma nação é formada lentamente, compondo-se de elementos diferenciados de
suas tradições e dos significados que se criam neste ambiente específico. E
assim, completa a argumentação:
“O nosso caso é diverso, e mais complexo. No Brazil o
elemento civilizador por excellencia, e a base da nação, é o aryano, o europeo.
Material e intelectualmente mais forte ele subjugou o aborígene americano e
importou, escravisando-o, o africano. Uma vez as trez raças defrontadas,
lentamente o branco foi deixando transfundir no seu sangue o do negro e do
indígena. E a raça nova vae se caldeando a nossos olhos, sensivelmente,
irrecusavelmente, apezar dos preconceitos subsistentes.” (sic). (MURICY, 1919,
p. 257).
Aqui há o real reconhecimento da canção nacional
característica de seu povo heterógeno, dentro de uma exuberância rítmica e
sensual e carregada emocionalmente nas palavras a fim de cativar o ouvinte. E
foi justamente esta canção “bárbara” que viria a se tornar simbólica na
representação da cultura nacional, sem cair “no artificialismo, ridículo, na
imitação desprezível, na burlesco snobismo.”
(sic) (MURICY, 1919, p. 258).
Andrade Muricy também ressalta a necessidade de tornar
legítimo esse “tropicalismo” brasileiro transferido à essência da “alta musica
instrumental e vocal” (MURICY, 1919, p. 260), como afirma ter feito o maestro
Carlos Gomes com a originalidade de sua obra musical, que na visão do autor,
aproximava-se da mais pura expressão natural desta terra, sendo “evocativa como
nossa paisagem tropical no crepúsculo” (MURICY, 1919, p. 262).
Tendo como exemplo da excelência criativa dos brasileiros a
obra de Carlos Gomes, este autor projetava ao futuro uma perspectiva de
nacionalidade musical da mais alta qualidade e enfocada na consciência de nossa
natureza tropical e envolvente.
Nesta análise percebemos que o autor mesmo sem tratar
objetivamente da vertente da música popular, ainda assim, proclama uma arte
musical nacionalizada dentro do contexto da diversidade étnica de nosso povo.
Exalta, portanto, a cultura brasileira proveniente de elementos naturais e
folclóricos de suma importância na formação da identidade cultural do país.
Sobre o autor: José Cândido de Andrade Muricy (Curitiba, em 1895 — Rio
de Janeiro, 1984)
foi importante crítico
literário e musical e autor de obras de ficção e de ensaios brasileiros.
Ele foi presidente da Academia Brasileira de Música e membro do Conselho
Federal de Cultura. (http://www.abmusica.org.br/html/fundador/fundador131.html)
Fontes Musicais
a)
Música: Gaúcho (Corta Jaca)
Autoria: Francisca Edwiges Neves
Gonzaga
Letra: Tito Martins e Bandeira
Gouveia
Composição: 1895
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=AlpTei7xMZo
Tipo de fonte: Primária
Chiquinha Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro em
17/10/1847, falecendo na mesma cidade em 28/02/1935. Foi compositora,
instrumentista e regente. Destaca-se por ter sido a maior personalidade feminina
da história da música popular brasileira e uma das maiores representantes da
luta pelas liberdades do país, promotora da nacionalização musical, primeira maestrina,
autora da primeira canção carnavalesca, em 1899 – Ó Abre Alas, primeira
pianista de choro, introdutora da música popular nos salões elegantes,
fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais. (www.chiquinhagonzaga.com.br)
Análise
musical: A canção Gaúcho, ou Corta Jaca, teve harmonia composta por Chiquinha
Gonzaga em 1895, com letra de autoria de Tito Martins e Bandeira Gouveia. Esta
música tem base melódica de piano e violino, sua letra foi adicionada
posteriormente em 1904, para ser cantada na revista Lá e Fá.
É
um tango amaxixado, de cadência voluptuosa, sugestionando a sensualidade dos
movimentos. Por este motivo foi bem aceito nos circuitos populares de salões e
teatros, mas era impedido de circular nos recintos da alta classe, que atribuía
ao ritmo do tango e do maxixe uma tendência à barbárie, à música
revolucionária, à características impuras da miscigenação étnica e cultural.
Sua
letra retrata o contexto social de um “mundo de misérias”, o qual salva-se quem
dele tira vantagens. Fala da dança voluptuosa que encerra suas notas, e dos requebros
que nem mesmo damas de alta classe podem se eximir.
Mas
um fato decisivo ocorreu em 1914 no salão de eventos do Palácio do Catete, sede
administrativa do governo federal, no Rio de Janeiro. Nesta ocasião a Sra. 1ª
dama Nair de Teffé executou ao piano esta música, para espanto de todos no
auditório, e provocando uma crise política, representando uma significativa
quebra de tabus referente a discriminação da classe alta frente à música
popular brasileira.
Autoria: Pixinguinha e Cícero de
Almeida
Composição: 1932
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HgRWf3aDR54
Tipo de fonte: Primária
Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho) RJ, 23/04/1898 –
RJ, 17/02/1973, era filho de flautista respeitado, e tomou gosto pela música
desde cedo quando ouvia as serenatas promovidas em sua casa com os ritmos da
moda: polcas, valsas e lundus; assim cresceu “apurando o ouvido, o dedilhado e
a criatividade” (MEDAGLIA, 1970, p. 3) musical
que o levou a seguir o caminho de instrumentista, quando aos 14 anos “foi
contratado para o conjunto da Concha, casa de chope da Lapa” (MEDAGLIA, 1970,
p. 3). Aos poucos foi criando fama como exímio flautista pela vida noturna
carioca, recebendo diversos “convites para tocar em festas, teatros,
clubes...”. (MEDAGLIA, 1970, p. 4)
Em épocas de Carnaval abandonava os compromissos
profissionais para dedicar-se ao bloco chamado Caxangá, que se apresentava
nestes folguedos.
Por volta de 1919, em virtude da terrível gripe espanhola que
assolara o Rio de Janeiro, houve falta de músicos para tocar em cinemas e
teatros. Deste fato, Pixinguinha fora chamado por Isaac Frankel para organizar
uma banda que tocasse na sala de espera do Cine Palais (local que era reduto da
alta classe carioca). Daí surgia os Oito
Batutas, “apresentados como orquestra típica: de maxixes, lundus,
corta-jacas, batuques, cateretês, toadas sertanejas e tanginhos. A novidade
daquela música intensa e animada fêz vibrar o público.” (MEDAGLIA, 1970, p. 4).
Assim abria-se uma importante porta de entrada da música
popular nos circuitos cultos e refinados da alta burguesia carioca, fazendo com
que aos poucos esta música provinda de ambientes negros e populares alcançasse
reconhecimento e aceitação das elites e posteriormente entrasse na cena
cultural européia, como acontecido por ocasião da visita dos reis da Bélgica ao
Brasil, em 1920, quando os Oito Batutas
foram chamados pelo presidente da República a se apresentarem em recepção
oficial. Logo após seguiram em excursão pelo Sudeste do Brasil, chamando a
atenção do empresário Arnaldo Guinle firmaria contratos de apresentações do
grupo em cafés dançantes de Paris, para onde partiram em 1922. Diz-se que “o público
Frances entusiasmou-se com o chorinho e samba ainda amaxixado dos Batutas”
(MEDAGLIA, 1970, p. 7). Após sete meses de trabalho sério, o grupo retornava ao
Brasil, cheio de novidades e com saudades da boemia festiva do carioca, junto
deles traziam novos instrumentos e tendências do Jazz e do Fox trote, muito em
voga na Europa àquele momento e que seriam seus divulgadores no Brasil.
Pixinguinha seguiu sua caminhada musical com muita
originalidade, tornando-se o “Pai do Chorinho”, mas teve de ceder aos novos
requisitos do mercado fonográfico que se consolidava no Brasil, esta nova
empresa queria profissionais que rendessem valores no mercado musical, e sendo
assim, Pixinguinha teve de se adaptar as novas exigências e deixar de lado, ao
menos em parte, a brincadeira de tocar serestas. (MEDAGLIA, 1970, p. 11)
Análise musical: Esta canção não representa a característica
comum ao gênero musical de Pixinguinha: o Choro, entretanto foi selecionada,
pois revela questões sobre as origens do samba carioca.
Pixinguinha e seu parceiro Cícero de Almeida falam, nesta
canção, de um samba de partido alto feito por “mulato filho de baiana”, fazendo
referencia aos encontros populares e musicais da casa de Tia Ciata. Na cadencia
deste samba notamos a presença do estilo musical afro-brasileiro, com a
repetição de versos no estribilho, compassado pela batida de palmas.
A letra segue falando que o samba é tão bom que envolve a
“Gente rica de Copacabana / Dotor formado de anés de ouro / Branca cheirosa de
cabelo louro”. Acrescenta que o samba é uma forma de expressão livre, mas que
agrega gente de boa índole, “porque no samba nego tem patente”, feito para
festejar a reunião de pessoas em danças e batuques que se estendem até o sol
raiar.
Este é o registro da alma do samba: reunião inter-racial,
livre de preconceitos, de diferenças de classes, de desrespeito. É a ascensão
da esfera popular na cultura estética das elites, que por fim vem confirmar a
perspectiva da Circularidade Cultural, que vem a ser o objeto de estudo deste
trabalho.
c)
Música: Filosofia
Autoria: Noel Rosa
Composição: 1933
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=9qg4aAixzRc
Tipo de fonte: Primária
Noel Rosa (Rio de Janeiro, 11/12/1910 – Rio de Janeiro,
4/5/1937) nascera e vivera na mesma casa de Vila Isabel por seus curtos 26 anos
de vida.
Em virtude de um parto difícil de sua
mãe, feito à fórceps, Noel foi acometido de uma alteração no osso do queixo que
acarretou uma deformação em sua face, por isso “ficou conhecido na Vila por
Queixinho” (veja.abril.com.br).
Noel cresceu em uma sociedade de
contrastes, “num Rio de Janeiro de confeitarias elegantes e morros já apinhados
de gente pobre”. Aprendeu as primeiras letras com sua mãe, que lecionava em
casa, e prosseguiu seus estudos no Colégio São Bento, até que decidiu cursar a
faculdade de Medicina, onde ficou por três anos, mas abandonou-a porque já
desenvolvia seus verdadeiros dons: o artístico, músico e poeta. “Aos 23 anos
casou-se com Lindaura, de 13, a quem engravidara. Ela perdeu o bebê e ele não
deixou herdeiros” (veja.abril.com.br).
Em sua carreira como músico, Noel produziu cerca de 250
canções, com muitos sucessos que são gravados até hoje por vários interpretes.
Mas em sua ligeira existência, seu parceiro mais fiel era o violão, que o
acompanharia em sua caminhada de boêmia pelos bares e serestas dos morros
cariocas.
“Sua paixão pela música popular, que era grande, aumentou
depois que conheceu Sinhô, o Rei do Samba” (veja.abril.com.br).
Desde então passou a ser freqüentador assíduo das rodas de samba e cabarés de
Vila Isabel, Salgueiro, Mangueira, Estácio, entre outros, e assim soube
descrever esta vivencia popular em sua arte musical.
Como profissional, participou primeiramente do Grupo
Tangarás, em composições sertanejas, maxixes, toadas e canções nordestinas. Com
a consagração de seu primeiro sucesso: Com
que Roupa, em 1930, despertou o interesse da mídia fonográfica e foi
chamado para um emprego fixo no programa Casé da Rádio Phillips. “Seu talento
para arrancar o riso em letras que narravam as vicissitudes da vida e as
armadilhas do cotidiano encantava o público” (veja.abril.com.br).
Teve vários parceiros do asfalto, com renomados nomes da Era
do Rádio, como Lamartine Babo, Vadico, Ary Barroso, João de Barro e Francisco
Alves (o Rei da Voz), mas gostava mesmo era do “contato com os sambistas dos
morros da Zona Norte” (veja.abril.com.br).
Naquela época eram comuns as ocorrências de disputas musicais
entre os artistas do samba, que através de suas canções faziam discussões
artísticas dignas de sérias polêmicas. Neste sentido, participou também Noel de
uma disputa com Wilson Batista, que o atacava com respostas enviesadas em
canções, neste ensejo foi criada por Noel a bela canção Palpite Infeliz como resposta final desta disputa.
Noel era um poeta apaixonado pelo samba, pelo povo e pelas
musas que colecionava em suas músicas e em paixões platônicas (como aconteceu
com a Dama do Cabaré – Ceci) (veja.abril.com.br).
Em 1937, aos 26 anos, morria o poeta do samba, que desenhou o
cenário da vida popular carioca dos anos 30. Morria depois de longos anos de
debilitações pela tuberculose, que o mantinha sempre adoentado e algumas vezes
internado, mesmo assim sem ter nunca abandonado a vida boêmia que o consagrara.
Análise musical: Em suas obras, Noel Rosa descrevia com
poesia e algum sarcasmo a alma do carioca, da gente dos morros, do cotidiano
urbano e das incongruências das desigualdades. Por esse dom de letrista e
sambista era também chamado de Filósofo
do Samba.
Nesta canção, Filosofia,
além da harmonia de samba-canção melancólico e intimista, ele mergulha fundo na
crítica social à desigualdade, retratando uma sociedade aristocrata que se via
escrava das aparências e dos interesses de classe, além de ser preconceituosa,
sem se importar com a carência de condições dos populares que não tinham
direitos e eram marginalizados da sociedade.
Como contra ponto desta demanda, Noel proclama que na vida
simples é que se encontra a verdadeira alegria, sem disfarces, e que não pode
ser comprada com dinheiro, pois ao rico, só lhe resta “cultivar a hipocrisia”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerro aqui a primeira parte desta senda musical da história
da música popular brasileira. Digo primeira parte porque não finaliza mesmo
aqui, esta caminhada ainda pode ser contada pelo longo caminho anterior e
posterior à datação escolhida, a primeira República do Brasil, fonte em que se
localiza a fase de qualificação e de consolidação da música popular como
símbolo da identidade nacional e cultural do país.
Foi verificado nesta pesquisa, integrando fontes históricas e
balanço historiográfico, o que era objetivo desta análise: a confirmação da
circularidade cultural entre etnias e classe do povo brasileiro através da
expressão musical popular, que mesmo sendo tratada como “bárbara” e “esdruxula”
e sofrendo repressões contínuas do aparelho policial sobre as ordens da elite
governamental, podemos considerar realmente que a voz do morro desceu suas
ladeiras para alcançar o âmago da nacionalidade brasileira, sempre entre lutas
sociais por reconhecimento de valores, antes subjugados ao ideário positivista
europeu que influenciava a intelectualidade e os governantes brasileiros; esta
voz popular de ex-escravos, imigrantes baianos e da gente simples e criativa
que durante muito tempo tinha sido marginalizada socialmente, por fim conseguiu
envolver todos os demais componentes da sociedade carioca em seus ritmos fortes
e incisivos de percussão e alegria voluptuosa e de melodias e letras restritas,
mas que exaltavam a reunião e a superação de suas condições em busca da unidade
e do intercambio entre os entes da nação. O Carnaval, os teatros, as serestas,
as festas, os bailes, os cafés e bares, celebravam a alegria e a união social
entre diferentes etnias e classes, e isto fora bem aproveitado pelo projeto
nacionalista de Getúlio Vargas e pelo mercado fonográfico que se consolidava
nos anos de 1930.
A importância de trabalhar com estes dados históricos é
fundamental para compreender e preservar a história da formação cultural no
Brasil, revelando uma história que não é linear e homogênea, ao contrário, é
contraditória e miscigenada em valores e identidades heterogêneas de seu povo e
que por isso mesmo seja tão original e específica deste país.
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No Tempo de Noel Rosa; 2ed. Rio de
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CHIQUINHA GONZAGA. Disponível
em: www.chiquinhagonzaga.com.br
PIXINGUINHA
e ALMEIDA, Cícero de. Samba de Fato.
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HgRWf3aDR54
GONZAGA, Francisca Edwiges Neves. Gaúcho
(Corta Jaca). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=AlpTei7xMZo
ANEXOS
Fontes Musicais
CORTA-JACA
(GAÚCHO)
Chiquinha Gonzaga
Neste
mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição
Ai, ai,
como é bom dançar, ai!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!
Esta dança
é buliçosa
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar
Este passo
tem feitiço
Tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo
Nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó
Tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo
Nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó
Quem me
vir assim alegre
No Flamengo
Por certo se há de render
Não resiste com certeza
Com certeza
Este jeito de mexer
No Flamengo
Por certo se há de render
Não resiste com certeza
Com certeza
Este jeito de mexer
Um
flamengo tão gostoso
Tão ruidoso
Vale bem meia-pataca
Dizem todos que na ponta
Está na ponta
Nossa dança corta-jaca, corta-jaca!
Tão ruidoso
Vale bem meia-pataca
Dizem todos que na ponta
Está na ponta
Nossa dança corta-jaca, corta-jaca!
SAMBA DE FATO
(Pixinguinha - Cícero de Almeida)
Samba do partido alto
Só vai cabrocha que samba de fato
Samba do partido alto
Só vai cabrocha que samba de fato.
Só vai mulato filho
de baiana
E a gente rica de
Copacabana
Dotor formado de anér
de ouro
Branca cheirosa de
cabelo louro, Olê.
Também vai nêgo que é
gente boa
Crioula prosa a gente
dá coroa
Porque no samba nêgo
tem patente
Tem melodia que maltrata
a gente, Olê.
Ronca o pandeiro, chora o violão
Até levanta a poeira
do chão
Partido alto é samba
de arrelia
Vai na cadência até
raiar o dia, Olê.
E quando o samba tá
mesmo enfezado
A gente fica com os
óio virado.
Se por acaso tem
desarmonia
Vai tudo mundo pra
delegacia, Olê.
De madrugada quando
acaba o samba
A gente fica com as perna bamba
Corpo moído só pedindo cama
A gente fica com as perna bamba
Corpo moído só pedindo cama
A noite tôda só
cortando rama, Olê.
A bôca fica com um gôsto mau
De cabo velho, de colher de pau
Porque no samba que não tem cachaça
Fico zangado fazendo pirraça, Olê.
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HgRWf3aDR54
Noel Rosa
O
mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia
Erick
ResponderExcluirParabéns pelo portal e o Bloco eu sou eu, jacaré é bicho d'água , de Vila Isabel, copiou daqui um pouco de Noel e colou lá jacare.blog.br.
Cordiais saudações, como cantou Noel.
Sergio Rosa
srosa@alternex.com.br
Gostei muito.Acho interessante você jovem interessar-se por este tema que retrata a musicalidade brasileira, de modo circular, emergindo de uma camada social oprimida e desvalorizada. Um trabalho politizado, crítico e inteligente. Parabéns. Maria Rita.
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