A
expressão popular da cultura caribenha sobre aspectos da integração social no
contexto contemporâneo.
Uma análise sócio-cultural dos atores da cidadania
popular em sua diversidade étnica nas áreas urbanas da Venezuela e Colômbia.
Deve atentar-se para o comportamento, e com
exatidão, pois é através do fluxo do comportamento – ou mais precisamente, da ação
social – que as formas culturais encontram articulação.
(GEERTZ, 2008, p.12)
Era sonho de Simón Bolívar fazer do território da América Latina uma só
pátria, unida por uma democracia política e com uma população integrada em
cultura e projetos sociais. Sonho, este, frustrado com a separação das nações
do então Vice-Reino de Nova Granada, hoje compreendido pelos territórios de
Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. (DUSSEL, 1997, p.177)
Procuro, aqui, problematizar a questão da construção da identidade comum
da América Latina, que se desintegrou desde a formação de suas nações
independentes, conforme explica o sociólogo Alberto A. Zalles em El laberinto de La identidad: La diáspora
latino americana y recomposición de las Américas:
América Latina, a pesar
de una poseer una suerte de unidad cultural articulada alrededor de la comunidad
lingüística, de la afinidad entre el portugués y el español, de um pasado
colonial común y sobre todo de espíritu moderno ligado al origen de sus
repúblicas, permanece desarticulada politicamente.(ZALLES, s.d., p. 12)
Apesar de tratar de uma problemática especialmente política, buscarei
descortinar o ambiente social das afinidades de grupos
latinoamericanos dentre suas manifestações de resistência e tradições identitárias.
Para tanto quero aproximar-me da análise das interações culturais das
expressões populares do Caribe – Venezuela e Colômbia – no âmbito de
compreender a formação de suas identidades culturais, permeadas do hibridismo
étnico, de interferências sociais, econômicas, políticas e midiáticas.
Como historiadora brasileira, meu interesse nesta pesquisa se refere ao
restrito conhecimento das esferas populares do Brasil diante da história social
e política de nossos vizinhos latinoamericanos. E, mais ainda nos distanciamos
de uma real integração societária e cultural entre Brasil e os demais países
latinoamericanos.
Diante das transformações históricas que se apresentam com a emergência
da Globalização (RICARDO, 2008), da mundialização das informações via internet,
da desestruturação de tradições locais e étnicas devido a interferências
midiáticas e publicitárias que abrangem toda parte do mundo, vejo a necessidade
premente de levantar questões problemáticas da América Latina, como as
relativas aos movimentos sociais pelos Direitos Humanos e pela valorização e
preservação das identidades culturais das camadas populares e de determinados
grupos étnicos historicamente estigmatizados.
Neste sentido a presente pesquisa pretende discutir conceitos da
Antropologia Cultural relativos à cultura popular, ao hibridismo étnico, à
simbologia artística, permeados da perspectiva histórica de formação das novas
bases sociais envolvidas ou excluídas do processo de globalização, da indústria
cultural, das políticas culturais de governos e dos movimentos sociais pela
cidadania em países caribenhos de fronteira com o Brasil, como Venezuela e
Colômbia.
Para analisar este processo de transformação histórica e social na
América Latina, procurarei trabalhar com fontes primárias de representações
artísticas populares (músicas, artes plásticas, teatro, festividades), assim
como documentos da comunicação popular (panfletos, discursos, programas de
organizações populares) que possam contribuir para a compreensão da interação e
da participação cidadã dos atores sociais.
Esta análise será complementada de entrevistas com alguns destes atores
sociais em proposta de discussão da cultura como forma de reconhecimento do
valor da ação social pela cidadania de direitos.
Justificativa
Como brasileiros fazemos parte desta mesma América Latina de origem
colonial, subjugada ao imperialismo europeu até o século XIX, ao posterior
neoliberalismo norte-americano no século XX e ainda hoje, no século XXI a mercê
da dependência econômica estrangeira, das interferências culturais e do
desrespeito aos direitos humanos e democráticos. Por esta razão proponho
direcionar esta pesquisa à investigação das organizações sociais, culturais e
populares da Venezuela e Colômbia, que dentro de suas diferenças regionais,
possam contribuir para a compreensão do desenvolvimento histórico destas
sociedades no que se refere ao imaginário popular, suas representações
culturais, suas organizações sociais, enfim, as manifestações populares que são
a expressão destas identidades culturais, de seus anseios e divergências.
Tendo em vista ampliar a discussão sobre a consolidação da democracia
mediante plena e consciente participação popular na América latina, quero
partir da abordagem da construção interétnica das sociedades urbanas do Caribe,
concentrando minha atenção aos artistas populares da Venezuela e Colômbia, que
dentro de suas especificidades histórico-culturais, se apresentam como atores
sociais da cidadania, no exercício expressivo de contestação política, propostas
de interação cultural, críticas à desigualdade e exclusão através das artes e
dentro do cenário público da expressão popular.
A questão pertinente a este contexto é analisar como a cultura popular
pode contribuir para o desenvolvimento da integração social, da democracia no
espaço público, para a valorização das identidades culturais e para a garantia
dos direitos humanos nas regiões em vias de pesquisa.
Pode-se questionar por que direcionei meus estudos à Venezuela e
Colômbia: explico que estes países fronteiriços ao Brasil, apesar de
apresentarem algumas semelhanças na formação cultural e econômica – em relação
ao hibridismo étnico e à colonização européia – mediante o decorrer do processo
de transformação histórica, como a formação política destas nações, as
diferentes formas de interferência e de dependência externa e ainda as
particularidades de suas representações e problemas sociais, expressam
diferenças substanciais relativas a estruturas de controle social,
democratização e até mesmo valores sócio-culturais que serão debatidos neste
estudo.
Objetivo geral
Discutir e analisar as manifestações culturais
populares como mecanismos de integração social e como exercício da cidadania
dentro de uma comparação diferenciada de realidades e atores específicos das
regiões de Venezuela e Colômbia.
Objetivos
específicos
·
Identificar aspectos da tradição e das
transformações culturais contemporâneas da cultura caribenha na Venezuela e
Colômbia;
·
Investigar as manifestações culturais e populares
de regiões urbanas do litoral e das capitais da Venezuela e Colômbia, abordando
suas temáticas e representações nas primeiras décadas do século XXI;
·
Verificar as significações simbólicas e
socioculturais das manifestações populares;
·
Analisar interferências e transformações
socioculturais da mídia e da globalização nas esferas populares de comunicação;
·
Discutir questões problemáticas sobre os Direitos
Humanos na Venezuela e Colômbia;
·
Considerar possíveis contribuições da sociologia e
da antropologia para discutir as questões problemáticas de desrespeito aos
Direitos Humanos e das identidades culturais das nações pesquisadas;
·
Relacionar
as políticas culturais estatais com as representações culturais populares no
intuito de perceber os mecanismos de controle social e a expressão cultural das
vozes populares;
·
Questionar quais as
interferências projetadas pela atual sistemática globalizante da Nova Ordem
Mundial nos campos da cultura popular;
·
Compreender as formas de
conscientização das camadas populares como atores sociais das democracias
nacionais.
·
Comparar as relações de integração social e de
cidadania pública entre Venezuela e Colômbia.
Hipóteses
e Quadro teórico
Nesta etapa do projeto pretendo
permear os questionamentos aos pressupostos teóricos da historiografia e da
antropologia em foco, separando em três temas esta análise, que levarão em
conta as particularidades das nações pesquisadas.
O Hibridismo e a
construção da identidade cultural latino-americana
O hibridismo cultural decorrente da
entrada de colonizadores europeus e escravos africanos na sociedade indígena
das regiões do Caribe não determinaram a aculturação completa dos nativos
frente à possessão colonial espanhola e a interferência das etnias africanas. O
que resultou desta inserção foi a adaptação de diferentes culturas que deram
origem ao hibridismo das novas identidades culturais que se formavam na América
Latina.
A esse respeito afirma Enrique
Dussel:
A história da América Ibérica mostra-se
heterogênea e invertebrada no sentido de que por um processo de sucessivas
influências estrangeiras vai-se construindo – por reação – uma civilização e
uma cultura latino-americanas. Essa cultura, em sua essência, não é o fruto de
uma evolução homogênea e própria, mas de uma evolução que se forma e se
conforma segundo as irradiações que vêm de fora e que, cruzando o Atlântico,
adquirem caracteres míticos [...]. (DUSSEL, 1997, p.21)
Tendo como referência de estudo o
hibridismo cultural latinoamericano, pretendo trabalhar sobre o foco das identidades
nacionais pela ótica da construção de representações sociais, entre seu
simbolismo cognitivo, seus anseios, suas manifestações de alegria e de
protesto, enfim, como as camadas populares identificam-se e relacionam-se
entre seus pares e comunidade, e ainda, como esta identidade se projeta
enquanto representativa da unidade nacional, uma vez que o poder político do
Estado interfere diretamente em suas manifestações culturais, ora criando
modelos culturais específicos dos interesses nacionais, ora reprimindo as
manifestações desagradáveis ao governo, como explica Fabio E. Velásquez, em
ensaio para La Innovación Democrática em
América Latina, de 2010, dizendo que:
[...] las instituiciones se han convertido,
com frecuencia, em herramientas de reproducción de las múltiples formas de
desigualdad que existen en la sociedad, no solo por la via de la imposición de
las normas que la sustentan sino también de la auto imposición, mediante la
interiorización de estas normas y valores culturales. (VELASQUÉZ, in VERA, Ernesto
I. e LAVALLE, Adrián, org, 2010, p. 353).
Ao tratar especificamente da
formação da identidade cultural latino-americana esbarramos em bloqueios
produzidos pelo etnocentrismo colonial que carregamos até hoje como “grupo
marginal ou secundário da cultura européia.” (DUSSEL, 1997, p.37).
O antropólogo
colombiano Jésus Martín-Barbero nos explica que,
Para
poder compreender tanto o que o atraso representou em termos de diferença
histórica, mas não num tempo detido, e sim relativamente a um atraso que foi historicamente produzido […],
quanto o que apesar do atraso existe
em termos de diferença, de heterogeneidade cultural, na multiplicidade
de temporalidades do índio, do negro, do branco e do tempo decorrente de sua
mestiçagem. Só a partir dessa tensão é pensável uma modernidade que não se
reduza a imitação e uma diferença que não se esgote no atraso. (MARTÍN-BARBERO,
1987, p. 165).
Para que essa identidade cultural
não se perca no “atraso” civilizacional será necessário que o povo
latino-americano se reconheça como ator social e se valorize dentro de sua
especificidade cultural, como afirma Dussel: “Eis
aqui nossa missão, nossa função. É necessário que tomemos consciência de nossa
cultura, e não apenas isso, mas que nos transformaremos em configuradores de um
estilo de vida” (DUSSEL, 1997, p.37).
Ainda tratando das questões de identidade cultural, vemos
transformações sintomáticas na sociedade latino-americana relacionadas às
interferências midiáticas da comunicação na formação cultural das populações
inseridas nos atuais processos globalizados de tecnologia. A este respeito
Matín-Barbero afirma que os meios de comunicação, “[...]
não são um puro fenômeno comercial, não são um puro fenômeno de manipulação
ideológica, são um fenômeno
cultural através do qual a pessoa, ou muitas pessoas, cada vez mais pessoas vivem a constituição do sentido de sua vida.”
(ESCOSTEGUY, 2010,
p.165).
Por
outro lado, afirma o professor Renato Seixas que “a cultura nacional é também
uma estrutura de poder cultural” e “Sendo assim, a cultura dominante precisa
construir uma estrutura de poder cultural destinada a fazer com que os grupos e
povos submetidos “esqueçam” sua identidade cultural pretérita e, a seguir,
adotem a nova identidade ditada pela estrutura cultural lidertípica. (SEIXAS, 2008, p.108).
Diante deste quadro de
informações e incongruências sobre as identidades culturais latino-americanas é
que percebo a necessidade de pesquisar e reforçar os valores culturais
populares como fonte de expressão e de participação social nas esferas do poder
público.
Ao pensarmos na atual
conjuntura da Globalização nos deparamos com um ambiente global de: [...]
grande fracionamento dos poderes político, econômico e militar. O mesmo
fenômeno ocorre como poder cultural. [...] que conduzem ao fracionamento de
poderes e à relativização de culturas, umas em face das outras. Os conflitos
culturais atuais são apenas um dos aspectos dessa dinâmica. (SEIXAS, 2008, p. 94).
O que pretendo
questionar nesta etapa do trabalho são quais as interferências projetadas pela
atual sistemática globalizante da Nova Ordem Mundial nos campos da cultura
popular?
Assim como defende Martín-Barbero, “a relação
entre identidade cultural latino-americana e cultura popular, [...] tem
modificado as formas de expressão da cultura de massa” (ESCOSTEGUY, 2010,
p.166), para representar as classes populares, portanto
afirma Martín-Barbero:
Em
suma, os processos de comunicação são “fenômenos de produção de identidade, de
reconstituição de sujeitos, de atores sociais” e os meios de comunicação “não
são um puro fenômeno comercial, não são um puro fenômeno de manipulação
ideológica, são um fenômeno
cultural através do qual a pessoa, ou muitas pessoas, cada vez mais pessoas vivem a constituição do sentido de sua vida”
(MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 71).
A
politização social em luta por direitos cívicos e humanos
Estudiosos da Antropologia Cultural moderna desenvolveram a
análise teórica das identidades passando a encará-las como mecanismos sociais
sujeitos a mudanças e transformações que “acabam gerando tensões, instabilidade
e ameaça aos modos de vida estabelecidos.” (ESCOSTEGUY, 2010, p.145).
Diante desse pressuposto procurarei verificar como as transformações
no plano político e econômico da América Latina se processam nas relações
sociais, tendo como finalidade perceber as formas de conscientização das
classes populares como atores sociais dentro das democracias ocidentais.
Para tanto, Huntington faz um panorama das transformações sociais
em curso: “O colonialismo europeu terminou; a hegemonia norte-americana
está retrocedendo. Segue-se a erosão da cultura ocidental, enquanto se
reafirmam costumes, idiomas, crenças e instituições indígenas com raízes
históricas.” (SEIXAS, 2008, p.110). Neste entremeio se descortinam situações
conflituosas entre o poder político e as manifestações sociais que revelam um
“mal estar latino-americano na modernidade”, pois, como explica Matín-Barbero que ainda “Não dispomos de categorias
de interpretação capazes de captar o rumo das vertiginosas transformações que
vivemos. (ESCOSTEGUY,
2010, p.165).
Direcionando o foco
desta análise às camadas populares, que não devem ser vistas como minorias, mas
como extratos da sociedade distanciados das decisões de poder, busquei
referencias teóricas que demonstrassem as atuais manifestações sociais em luta
por direitos e pela valorização identitária num reconhecimento dos princípios
da cidadania como partícipes da ação social.
Neste sentido, Vera
Candau desenvolve o conceito de “empoderamento” como a seguir:
O
“empoderamento” começa por liberar a possibilidade, o poder, a potência que
cada pessoa tem para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social. O “empoderamento” tem também uma dimensão
coletiva, trabalha com grupos sociais minoritários, discriminados,
marginalizados etc., favorecendo sua organização e sua participação ativa na
sociedade civil. (CANDAU, 2008, p. 54).
E, pensando nos atores
sociais das camadas populares, devemos compreender que este impulso de
participação política e social nasce no cotidiano das ruas e da interação
societária de seus componentes em busca de reconhecimento de seus anseios e
revoltas.
Nas palavras de Alba
Zaluar: “Artistas, poetas, humoristas, pensadores das ruas e bares também são
capazes de gerar novas práticas e novas ideias críticas acerca da sociedade em
que vivem” (DURHAM,
1986, p. 121), pois como afirma Durham: [...] “hoje, essas
minorias desprivilegiadas emergem como novos atores políticos, organizam
movimentos e exigem uma participação na vida nacional da qual estiveram
secularmente excluídos.” (DURHAM,
1986, p. 18).
A
integração Latino-Americana
A última parte deste projeto,
relativo às hipóteses das problemáticas em estudo, refere-se à necessidade de
integração latino-americana frente à atual situação de formação de blocos
econômicos supranacionais que permitam fazer competência nos mercados mundiais.
Aqui não se trata de trabalhar com
questões da economia, mas antes culturais, já que dependemos desta integração,
ou seja, do reconhecimento de nossas potencialidades enquanto economia
auto-sustentável e como população qualificada para o trabalho e
intelectualmente educada para suprir nossas demandas.
A esse respeito, Edvaldo Pereira
Lima aponta como proposta de transformação do quadro de “atraso”
latinoamericano:
Compreendo ser
indispensável que os países latino-americanos criem mecanismos capazes de
possibilitar o desenvolvimento pleno do ser humano que neles habitam, sob pena
de entrarmos no século XXI formados por populações cada vez mais ignorantes,
embrutecidas e tristemente muito aquém das possibilidades de lapidar todas as
maravilhosas potencialidades da espécie humana. E vejo que essa modernização
não pode acontecer sem que, paralelamente, se parta definitiva e gradualmente
para a integração continental. (KUNSCH, 1993, p.
116).
Trata-se de uma prioridade a
integração latino-americana no sentido de nos organizarmos em um projeto de
desenvolvimento que seja capaz de superar nossas mazelas e conflitos para
criarmos condições propicias ao pleno exercício das cidadanias “de ordem educacional,
cultura, social, comportamental, psicológica, política e econômica.” (KUNSCH,
1993, p. 117).
Ainda nos explica
Lima como consolidar esta integração:
O
primeiro passo, nessa busca da integração, intermediada pelos canais culturais
exercendo função educativa, passa pela descoberta mútua do que somos, do que
nos une, do que nos afasta, do que necessitamos fazer para estreitar os laços
de apoio à indispensável modernização de cada um dos países e de seus povos. Na
verdade, é um esforço de busca da identidade comum. (KUNSCH, 1993, p. 117).
Para tanto, Lima relaciona alguns
métodos constitutivos da integração latino-americana, que passam pelo sistema
educacional, pelos produtos da indústria da comunicação coletiva, pelos meios
culturais como: literatura, teatro, música, artes plásticas e dança, além “do
importante nicho de conscientização, o livro-reportagem” (KUNSCH,
1993, p. 118), o qual me proponho a desenvolver nesta
pesquisa de mestrado, reunindo aspectos da reprodução de uma realidade concreta
confrontados com experiências singulares da sensibilidade popular.
Elementos
comparativos da cultura popular na Venezuela e Colômbia.
Os dois países que são foco desta
análise, apesar de muito próximos em relação às fronteiras territoriais,
apresentam distinções significativas relativas ao processo de controle social e
participação popular no exercício da cidadania.
No caso particular da Venezuela, o
panorama cultural de ação popular aproxima-se da mítica ideologia
bolivarianista, em que, nas palavras de Rômulo Figueira Neves:
É patente a utilização
da imagem de Bolívar pelos líderes políticos venezuelanos, que precisam
elaborar refinamentos do material bruto, que é sua biografia, mas, além disso,
o mito se sustenta em um clamor popular sem prevenções nem críticas. (NEVES,
2010, p. 118).
É neste sentido que grupos sociais
venezuelanos se diferenciam e se antagonizam dentro do discurso político, tendo
de um lado o grupo empresarial conservador e neoliberal e, de outro, o grupo
social-democrata e populista que busca, nas bases populares e sindicalistas, o
apoio para as revoltas sociais, como explica Luis Vicente Vieira:
Porque,
a irrestrita delegação da soberania do povo aos seus representantes e a
oportunidade de interferência do mesmo mediante pronunciamento direto nas
questões fundamentais de sua existência sempre foi visto, pela ideologia liberal,
como um perigo ao perfeito funcionamento da base econômica da sociedade
burguesa, que constitui-se sobre interesses contraditórios das diferentes
camadas sociais em permanente conflito. (OURIQUES, 2005, p.64)
Podemos
concluir que, no caso da Venezuela existe uma real participação ativa dos
grupos populares no espaço público, entretanto isto não representa uma
consciência crítica da ação social, resultando mais, no controle social
ideológico, pautado na polarização dos discursos políticos, do que na necessária
organização de transformação e representação social e democrática destes
grupos.
Deve ser
considerada aqui, dentro dos aspectos de análise das desigualdades sociais na
Venezuela, a questão da economia concentrada na exploração e distribuição do
petróleo em detrimento do desenvolvimento da indústria e agricultura nacionais,
o que leva às populações periféricas aos centros de produção de petróleo, a se
“agarrarem” aos subsídios estatais. (NEVES, 2010, p. 110).
No âmbito da
política cultural é relevante verificar o discurso étnico que serve de amálgama
para o controle social. Este discurso pretende utilizar-se pretensamente do
ideal de proteção às etnias indígenas sob o pressuposto de aproximar suas
identidades tribais, do socialismo, que causa discordância na análise de Rômulo
Neves:
[...] sociedades
indígenas não são “socialistas” ou “marxistas”. Funcionam, na verdade, sob
outros paradigmas de cognição tanto em relação à propriedade privada quanto a
outros aspectos da vida social. Além disso, não há uma identidade indígena
clara na Venezuela. É, no entanto, precisamente por isso que esse elemento é
mais eficaz na construção de um discurso conflitivo: nenhum dos atores
políticos relevantes faz parte do grupo de indigenistas autênticos (como no
Equador e na Bolívia), então não há contestação, apenas a assunção do discurso
como verdadeiro. (NEVES, 2010, p. 125)
Verificamos,
desta forma, como se descortina o controle social através do discurso étnico e
das ideologias políticas de oposição bolivarianista.
O
segundo ponto desta análise vem refletir sobre o panorama cultural e político
da Colômbia, que sinteticamente revelou ser resultante de um regime democrático
controverso e instável durante as ultimas décadas do século XX, e que vem se
constituindo bem lentamente com efetiva intervenção da sociedade civil no poder
público.
Para
descortinarmos este panorama colombiano, temos de resgatar o contexto político
e social que se desenvolveu durante o século XX com características
centralizadoras, clientelistas e corruptas do poder estatal, como explica Fábio
Velásquez, que desde 1957 até meados da década de 1980, havia “[...] el pacto firmado por las dirigentes de los Partidos Liberal y Conservador
[...]”, que “[...] reducía prácticamente a
cero las opciones de los votantes [...]”.
Além disto, [...] “las opciones se reducían
aún más por el
peso del clientelismo como forma dominante de relación entre el
Estado, los intermediarios
políticos y la población.”
(VERA y LAVALLE - org., 2010, p. 346).
Diante
deste quadro, a sociedade civil se caracterizou pela incapacidade de
organizar-se em movimentos reivindicatórios de direitos civis, por se tratar de
“[...] de un electorado
cautivo, no
racional y poco o nada crítico, muy alejado del modelo de elector racional en el que se
basa el modelo liberal de democracia representativa.” (VERA y LAVALLE - org., 2010, p.
347).
Acrescenta-se
a este contexto de instabilidade política dos anos 80, outras questões
relacionadas ao cenário de violências sofridas pela população colombiana nas
quais:
EI discurso y las
prácticas participativas surgieron en una fase de la violencia política
caracterizada por el protagonismo de distintos grupos guerrilleros y por un
recrudecimiento del autoritarismo del régimen, al cualla guerrilla respondió
con un incremento de las acciones violentas en diferentes zonas del país [...].
(VERA y LAVALLE - org., 2010, p. 347).
O
panorama de debilidade dos movimentos sociais e de crise no modelo de Estado
centralista colombiano veio a se alterar com a reforma constitucional de 1991,
quando foi desenvolvido o processo de descentralização e de abertura política à
participação social na gestão pública. Segundo Velasquéz, estas foram “[...] estrategias de reforma del Estado y de apertura democrática que pretendieron resolver
la crisis política del país [...]”.(VERA y LAVALLE - org., 2010, p. 361).
A
nova fase de reordenação democrática na Colômbia demonstra os primeiros passos
do Estado no sentido da abertura política à participação social na gestão dos
interesses públicos, entretanto, este modelo administrativo ainda esbarra em
mecanismos de controle e de clientelismo dos órgãos políticos que manipulam a
“máquina” fiscal e oferecem benefícios àquelas organizações sociais que se
submetem aos interesses do Estado. Outro ponto que inviabiliza a participação
cidadã está na falta de informação cultural e de preparo político dos grupos
populares para reivindicar os direitos civis, pois como afirma Velásquez, “No
existe todavia em Colômbia, como si ocurre em otros países, uma cultura de la
información, tanto entre las autoridades públicas como entre la ciudadania.” (VERA y LAVALLE - org., 2010, p.
371).
Com
efeito, e diante deste panorama geral das duas nações pesquisadas, entendo que
seja propício investigar as diferentes formas de organizações culturais que
possam contribuir para a formação e preparo das bases populares para o
exercício da cidadania.
Fontes
Procurarei trabalhar com fontes
primárias através de entrevistas com representantes de organizações sociais
pelos Direitos Humanos, coordenadores de organizações culturais, líderes
comunitários, radialistas populares, músicos, artistas entre outros que possam
colaborar com o objetivo desta pesquisa. Também dentro do circuito das fontes
primárias, buscarei recolher materiais de divulgação como panfletos,
reportagens, noticiários, manifestos redigidos, letras de canções de protesto e
as demais fontes que contribuam para a análise das relações sociais de
resistência e luta por direitos sociais e culturais.
Ao pesquisar possíveis fontes em periódicos
eletrônicos, deparei-me comum artigo de grande valia pára este projeto: “América Latina e a luta pelos direitos humanos:
conversamos com três ativistas”, publicado no Diário Liberdade,
da região da Galícia – Espanha, em 23 Fevereiro
2012. Neste artigo foram escritos relatos de três ativistas latino-americanos
em denúncia ao desrespeito dos Direitos Humanos por parte do poder público de
seus países (Colômbia, Guatemala e México).
Neste tipo de relato podemos nos
aproximar de referências de conflitos locais e nacionais que são
representativos das formas de protesto e dos anseios destas comunidades.
No caso da Colômbia, país selecionado
para a análise neste trabalho, fica claro o repúdio dos ativistas do MOVICE
(Movimiento Nacional de Víctimas de Crímenes de Estado) frente à “técnica
‘legal’ para silenciar o protesto social, em nome da segurança nacional e a
ordem pública.” (Diário Liberdade, 2012). Esta é uma seria denúncia às falhas
do Estado colombiano nas “garantias para o exercício da defesa dos Direitos
Humanos.” (Diário Liberdade, 2012).
Este tipo de manifesto, seja os já
publicados em periódicos, ou feitos in
loco durante a pesquisa de campo, serão a base das fontes de pesquisa deste
projeto, visando colher informações diversas da participação e conscientização
popular em luta por direitos.
Metodologia
A pesquisa a ser desenvolvida terá
como referência metodológica os princípios da Antropologia estruturalista,
formulada por estudiosos da Antropologia Social Inglesa, em que “o suporte
básico da armação dos sistemas reside no conceito de estrutura social” (DURHAM, 1986, p.21),
onde “os fundamentos estruturantes não são buscados nas manifestações
propriamente culturais, mas no sistema de relações sociais que a cultura
realiza (ou produz ou manifesta).” (DURHAM,
1986, p.22).
Neste sentido serão necessários
suportes teóricos de estudo de referências da Historiografia e Antropologia da
América Latina, além de pesquisas do acervo dos meios de comunicação da
Venezuela e Colômbia, como jornais, noticiários, ONGs, panfletos, programas de
rádio, ensaios culturais, entre outros.
Serão também utilizados os recursos
metodológicos da História Oral – “[...] metodologia de pesquisa que consiste em
realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre
acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da
história contemporânea.” (FGV-CPDOC,
s.d., 2012) – para acercar-me dos sentimentos expressados por
referencias locais e/ou individuais das minorias, dos populares, das esferas
sociais destituídas de poder – político e econômico – que criam formas alternativas
e particulares de resistência e manifestações de sua identidade e
descontentamento frente ao poder público através de movimentos sociais,
organizações culturais, manifestos populares, e assim por diante.
Para tanto, “[...] as entrevistas
de história oral são tomadas como fontes para a compreensão do passado, ao lado
de documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. Isso torna o estudo
da história mais concreto e próximo, facilitando a apreensão do passado pelas
gerações futuras e a compreensão das experiências vividas por outros.” (FGV-CPDOC, s.d., 2012).
O trabalho com as fontes
especificadas será feito primeiramente mediante a seleção de documentos
escritos dos organismos culturais disponíveis em bibliotecas, centros culturais
e centros comunitários de ação popular. Este material será, então, analisado
tendo como base os pressupostos teóricos em estudo.
Na fase seguinte pretendo fazer
entrevistas com representantes das organizações culturais e populares
selecionadas, e, após as entrevistas, devo fazer uma comparação dos dados
coletados a fim de discutir as questões e problemáticas levantadas, além de
considerar a abrangência subjetiva da cultura social como suporte para a
integração e cidadania popular.
Por fim, diante do material de
pesquisa estudado das referências teóricas, das entrevistas feitas e das fontes
recolhidas será desenvolvida a análise estrutural e culturalista destes dados a
fim de compor uma possível visão compreensiva das hipóteses levantadas a
princípio e construídas a partir da experiência empírica desta pesquisa, pois: “O
que interessa à história não são apenas os fatos passados, mas a forma como a
memória popular é construída e reconstruída como parte da consciência
contemporânea.” (DURHAM,
1986, p.151).
Cronograma
Atividades
|
Ano I
|
Ano
II
|
||||||||||||||||
Jan
|
Fev
|
Mar
|
Abr
|
Mai
|
Jun
|
Jul
|
Ago
|
Set
|
Out
|
Nov
|
Dez
|
Jan
|
Fev
|
Mar
|
Abr
|
Mai
|
Jun
|
|
1)
Modificações no projeto para atender a críticas
|
X
|
|||||||||||||||||
2)
Coleta de dados
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
X
|
||||||||||||
3)
Pesquisa de campo
|
X
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4)
Análise e processamento
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5)
Redação
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6)
Correções do texto e datilografia
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Conclusão
Retornando à premissa inicial deste
texto: o sonho bolivariano de integração latino-americana, não consolidado
afinal devido ao contexto histórico de distanciamento cultural e político entre
estas nações, venho aqui levantar questionamentos sobre as relações sociais da
América Latina, direcionados às regiões caribenhas da Colômbia e Venezuela, sob
o pressuposto de buscar em fontes orais e culturais dos meios de comunicação,
expressões de valorização dos reflexos populares da cultura caribenha além de
suas manifestações de protesto em luta pela garantia dos direitos humanos.
Como referenciais teóricos procuro
na Antropologia, Sociologia e Historiografia, parâmetros de análise das
relações sociais na América Latina.
Das premissas destacadas neste
projeto buscarei discutir os valores emergentes nas sociedades caribenhas que
permitam confrontar as lutas populares pela justiça social em prol do
desenvolvimento humano e da integração sócio-cultural da América latina.
Por fim, cabe aqui a análise de
Krawczyk: “A sociedade civil não assiste impassível às determinações das
políticas de seus governos. Há movimentos contrários; portanto, há esperança.”
(KRAWCZYK, 2002, p. 82).
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