Fazendo História

Primeira Estação:

Convido a todos fazer parte deste passeio pela Vida, já que para fazer história é preciso ter passado pela vida e deixado sua marca. Assim, desde filósofos, políticos e mártires até escravos, indígenas e o tocador de tuba no coreto fazem parte desta viagem que quer retratar a cultura costurada durante o tempo dos Homens.
Aproveitem da viagem!

terça-feira, 19 de junho de 2012

A PRODUÇÃO CULTURAL DE CONTESTAÇÃO POLÍTICO-MILITAR DAS DÉCADAS DE 1960 E 70


O estudo subsequente trata-se de uma abordagem histórica e revisional do contexto de produção cultural da canção “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” de Gianni Morandi, Itália, 1966, no qual tal canção amplamente divulgada pela mídia nos circuitos mundiais da indústria cultural, reflete uma onda de contestação juvenil à presença norte-americana na Guerra do Vietnã (1959-1975).
Por outro lado, na segunda parte deste trabalho, será analisada a parodia desta canção “Era um garoto...”, feita por Eustáquio Moreira da Silva, em 1978, que reflete o momento de contestação social da “Hegemonia das Esquerdas” no Brasil durante o regime militar (1964-1985), em contraponto ao momento do “Milagre Econômico”, da década de 1970, no qual o país desenvolvia sua industrialização e requisitava em grande medida a participação jovem na ocupação das vagas como mão de obra barata para o desenvolvimento da economia do país.
  
 Era Um Garoto Que Como Eu amava Os Beatles e Os Rolling Stones

Era um garoto

Que como eu
Amava os Beatles
E os Rolling Stones.
Girava o mundo
Sempre a cantar
As coisas lindas
Da América...
Não era belo
Mas mesmo assim
Havia mil garotas à fim
Cantava "Help
And Ticket To Ride,
Oh! Lady Jane and Yesterday"...
Cantava viva à liberdade
Mas uma carta sem esperar
Da sua guitarra, o separou
Fora chamado na América...
"Stop!" Com "Rolling Stones"
"Stop!" Com "Beatles songs"
Mandado foi ao Vietnã
Lutar com vietcongs...
Ratá-tá tá tá...
Tatá-rá tá tá...
Ratá-tá tá tá...
Tatá-rá tá tá...
Ratá-tá tá tá...
Tatá-rá tá tá...
Ratá-tá tá tá...
Era um garoto
Que como eu!
Amava os Beatles
E os Rolling Stones
Girava o mundo
Mas acabou!
Fazendo a guerra
No Vietnã...
Cabelos longos
Não usa mais
Nem toca a sua
Guitarra e sim
Um instrumento
Que sempre dá
A mesma nota
Ra-tá-tá-tá...
Não tem amigos
Nem vê garotas
Só gente morta
Caindo ao chão
Ao seu país
Não voltará
Pois está morto
No Vietnã...
"Stop!" Com "Rolling Stones"
"Stop!" Com "Beatles songs"
No peito um coração não há
Mas duas medalhas sim....
Ratá-tá tá tá...
Tatá-rá tá tá...
Ratá-tá tá tá...
Tatá-rá tá tá...
           Como parte da simbologia linguística da comunicação, a música traduz-se como forte artefato da manifestação cultural de um povo ou de um grupo.
Considerando a relevância de sua subjetividade, toda música em sua harmonia e lírica, pode ser considerada premente fonte histórica na ambientação de um contexto social, e como tal, é representativa da expressão e da aceitação do público que compartilhe de seu ideário.
Desta forma, tal fonte é carregada de intenções subjacentes a seu contexto histórico, permeada de valores que podem ser emocionais, partidários de ideologias e também contestadores, como verificamos no caso de “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”, canção objeto deste estudo.
No projeto de construção do conhecimento histórico, o historiador deve questionar as fontes de seu estudo para desvelar seu entendimento. Neste ensejo, a canção referida, como documento,
(...) não fala por si mesmo, Bloch (2001) vem ao encontro das ideias de Febvre ao reafirmar a necessidade de elaborar perguntas pertinentes a ele, uma vez que são considerados testemunhos e, como de praxe, a testemunha deve ser interrogada, visto que a própria origem da palavra documento já está ligada ao significado de "prova" (LE GOFF et al., 1984). (FRANÇA, 2010, p. 151)
Em busca da problematização questionadora da canção “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”, esta foi sucesso na voz de Gianni Morandi, na Itália, em 1966 e teve diversas regravações no mundo, como as versões criadas no Brasil de “Os Incríveis”, em 1968 e dos “Engenheiros do Hawai”, em 1990. Em diferentes locais e tempos históricos, esta canção teve objetivos e significados subjetivos implícitos a sua lírica, representativos de diferentes contextos históricos de resistência e de contestação cultural.
A década de 60 no Brasil e no mundo caracterizou-se, entre outras coisas, pela revolução social de costumes nas áreas geopolíticas do capitalismo. Esta revolução cultural se consolidou com o desenvolvimento da indústria cultural de massa.
Na visão do teórico canadense McLuhan, a atuação dos meios de comunicação de massa (MCM) foi definida como a seguir:
Ao contrário de Adorno e Horkheimer, o teórico da comunicação canadense Marshall McLuhan (1911-1980) via a atuação dos MCM de maneira otimista. Nos anos 60, estudando a televisão, o autor chegou à conclusão de que esse meio poderia aproximar os homens, diminuindo as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles. O mundo iria transformar-se, então, numa espécie de "aldeia global", expressão que se tornou clássica entre os teóricos da comunicação. (TOMAZI, 2000, p.205)

Privilegiando, neste momento, a vertente de McLuhan, percebemos o quão importante tornara-se a utilização dos meios de comunicação de massa na divulgação da revolução cultural dos anos 60 e no rompimento com velhos tabus sociais como o machismo, a fidelidade ao casamento e à igreja, o ideal do soldado-cidadão e o patriotismo nacionalista.
Nestes tempos, as gerações jovens do ocidente intercambiavam informações de libertação nos costumes, na expressão, refletindo ideais marxistas e de comunidades alternativas que se reuniam ao redor de temáticas revolucionarias exaltadas pelo rock’n roll, como afirma Gilberto Salomão em ensaio publicado pela UOL-Educação:
Jovens nos anos sessenta, essa geração pautou sua ação pela reação contra os valores que norteavam o pós-guerra, pela negação ao discurso político tradicional e por uma atitude de contestação à moral vigente, que se traduzia numa nova maneira de se vestir, de se comportar, e por um novo gosto musical, que tinha no rock a sua grande expressão. Incorporava também uma nova postura em relação ao sexo e ao amor, provocando uma das mais intensas revoluções nos costumes em toda a história recente. (disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia/guerra-do-vietna-acordo.jhtm
Retornando ao objeto deste estudo, a canção “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”, retrata uma visão ampliada e contestadora de uma situação mundial de conflito que abalou a segurança moral e patriótica dos norte-americanos: era a crise moral desencadeada pela Guerra do Vietnã. Uma guerra tão desumana quanto desconexa no sentido nacionalista da palavra, que ao longo dos seus 16 anos de conflitos, mobilizou contingentes absurdos de soldados americanos em prol de uma luta insana pela hegemonia capitalista na Ásia.
 A este respeito, o historiador Gary Gerstle, professor da Universidade Vanderbilt, TN, EUA, afirmava:
 (...) Mas a maioria dos liberais cortou sua ligação histórica com a guerra, nas décadas de 1960 e 1970, quando eles se opuseram ao envolvimento americano no Vietnã. Ao mesmo tempo, muitos deles também repudiaram o nacionalismo, vendo nele agora, principalmente um avanço na direção do donio sobre países mais fracos no exterior e a subjugação e grupos "desfavorecidos" - minorias e mulheres - em casa. (disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042008000200003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
O movimento de contestação e repúdio à presença norte-americana na Guerra do Vietnã tornou-se mundial, como podemos verificar na canção aqui analisada, descritiva da insensatez desta guerra que sufocava o sonho de liberdade da revolução cultural dos anos 60 e destruía uma nação de camponeses pobres – o Vietnã.
Por fim, ainda como reflexo da crise moral desencadeada pela interferência norte-americana nesta guerra, protestos e deserções tornaram-se palavras de ordem da juventude em repúdio a violência e às tensões do período da Guerra Fria. [...] Isto sintetiza o momento histórico da crescente transformação de valores dos anos 60 e da formação da opinião pública em luta pela liberdade e igualdade e contra os desmandos insanos do poder político capitalista. (disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia/guerra-do-vietna-acordo.jhtm)

A canção de Gianni Morandi reflete o contexto social e histórico de uma geração particularmente revolucionaria no sentido de querer romper as barreiras do sistema capitalista, burocrático e militarista dos norte americanos, estimulando, por esta vertente musical, a luta por ideais mais dignos de uma sociedade democrática e com princípios de liberdade, conforme pregados na filosofia de sua Constituição.

Como contraponto desta abordagem histórica de contestação ao poder político e militar, nos dirigimos a análise da paródia “Era um garoto...”, produzida por Eustáquio Moreira da Silva, em 1978.
Paródia
Era um garoto...
Era um garoto que como eu
Amava o Marx e o Roland Barthes
Girava o mundo a proclamar
A decadência das Belas Artes
Não era douto, mas mesmo assim
Fazia mil discursos, sim
Amava Hegel e a dialética,
Mas uma carta sem esperar
Da cibernética o separou
FORA CHAMADO PRA TRABALHAR!
Stop opinião!
Stop revolução!
Camado foi ao Estadão
Pra fazer  revisao
Cedilhalhalhalhalha aspaspaspas parêntesis...
Cedilhalhalhalhalha aspaspaspas parêntesis...
(Eustáquio Moreira da Silva, 1978)


Verificando as palavras utilizadas por este autor para contar uma nova história de contestação e rebeldia, ele se aproxima de um ideário filosófico no qual o jovem estudante, desenvolvia sua intelectualidade idealista sob a influência de Marx e Roland Barthes, envolvido em projetos de opinião revolucionária, típicos da expressão do movimento estudantil durante o regime militar no Brasil. Este jovem fora expurgado de seu sonho revolucionário por uma necessidade emergente do cenário dos anos 70: “O milagre econômico”, que supunha a cobrança essencial da participação dos jovens na composição da mão de obra trabalhista para o desenvolvimento do país.
Neste ensejo, podemos retratar o contexto do cenário da ditadura no Brasil, que se descortinava num ambiente de intensa repressão, mas também de significativa produção cultural e envolvimento político da juventude.
A esse respeito nos reporta Rodrigo Czajka, em estudo publicado pela Revista História – Scielo,
A politização de temas como os da cultura, foi um dos sintomas mais evidentes daquele contexto, que vivia uma efervescência de suas entidades de esquerda ou vinculadas à esquerda, por força, dos próprios acontecimentos no início da década de 1960. (...)
 (...) Era necessário constituir um referencial popular a partir da cultura, pois por meio dele seria possível contemplar o "povo" no interior de uma política voltada para a transformação da realidade nacional (SODRÉ, 1963). (disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782010000100007&script=sci_arttext)
Assim como a revolução dos costumes realizada por estudantes de Paris em maio de 68 e pelas apresentações musicais de rock, como o Woodstock, em 69; no Brasil desenvolviam-se as organizações de movimentos sociais, como o MR-8, os CPCs da UNE, assim como publicações periódicas como a Revista Civilização Brasileira ou a intensa produção cultural e musical de artistas em luta contra o regime militar ditatorial.
Entretanto, vale lembrar que toda esta movimentação cultural e social da opinião pública e artística no Brasil, não passou incólume ao regime, que se utilizou dos mais diversos artifícios de repressão, traduzidos em censura e torturas que tentavam controlar a rebelião social contra o sistema ditatorial.
Por outro lado, durante a década de 70, acontecia no Brasil o chamado “Milagre Econômico”, medida planejada pelo governo Médici que visava o crescimento rápido da economia brasileira com a alta inserção de capitais estrangeiros no país, ocasionando o desenvolvimento do processo de industrialização, mas “sem um planejamento social e que agravou mais ainda as desigualdades”. (disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/milagre-economico-brasileiro.htm)
Dentro deste contexto insere-se a referida paródia, que busca retratar o fim das ideologias revolucionárias das esquerdas marxistas, subjugadas pela necessidade dos cidadãos de ocuparem o mercado de trabalho em plena expansão, mas sem qualificação ou estruturação social que pudessem solucionar os problemas sociais da desigualdade ou da crise política pela falta da democracia. Mais que isso a paródia reflete ainda um grito de alerta sócio-cultural por uma juventude engajada que foi subjugada à nova fase produtiva que se instalava no país, provocando, por fim, a alienação do trabalhador.


Proposta de atividade de docência:

Objetivos Gerais: desenvolver a compreensão dos alunos quanto ao significado ideológico da Guerra do Vietnã, assim como suas contradições que deram margem ao surgimento de uma intensa contestação mundial nas áreas de movimentos antiguerra feitos pela intelectualidade e pela juventude através de músicas e protestos cívicos. Por outro lado, identificar as distensões críticas do processo de contestação ao regime militar no Brasil.
Objetivos Específicos:
- Através da analise das fontes aplicadas, compreender as formas de coerção social e politica apresentada nos dois textos.
- Identificar e compreender as formas de contestação social presente nos dois documentos.
- Identificar as consequências socioculturais decorrentes deste processo de coerção e de contestação nos diferentes casos das fontes analisadas.
Metodologia:
Nº de aulas previsto: 3
Série: 3º ano Ensino Médio
1ª aula: Apresentar a primeira fonte através da escuta da música Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones.
Dividir a classe em grupos de 4 alunos cada
Solicitar uma pesquisa do contexto histórico em que fora produzida a música e distribuir questões que possam guiar a análise desta fonte.
Questões – Quais eram os interesses e as características da juventude dos anos 60 na América? - O que representava para os jovens americanos a convocação para a Guerra do Vietnã? - Qual foi a consequência social e ideológica desta guerra para os jovens americanos?
Pedir aos alunos que criem um texto analítico relacionando o contexto histórico pesquisado e a resposta das questões propostas. Esta atividade deve ser terminada em casa e entregue na aula subsequente.
2ª aula: Apresentar o texto da paródia.
Direcionar a pesquisa contextual do tema em analise – o regime militar brasileiro na década de 1970 e o milagre econômico.
Proposta de questões: Qual era a realidade a ideologia vivida pelo jovem da paródia? - Quais eram seus ideais e críticas sociais? - Qual foi o aspecto coercitivo que levou o jovem a abandonar seus ideais?
Pedir aos alunos que criem um texto analítico relacionando o contexto histórico pesquisado e a resposta das questões propostas. Esta atividade deve ser terminada em casa e entregue na aula subsequente.
3ª aula: Dispor a sala em forma de círculo com um grupo ao centro que deverá apresentar as conclusões da pesquisa realizada. Esta apresentação será feita em forma de debate com a participação dos demais grupos que substituirão o primeiro durante o percurso da aula.
Este debate deverá ser mediado pelo professor que deve direcionar a classe a novos questionamentos.
Avaliação: Será feita mediante a entrega das pesquisas e textos criados pelos grupos, além das conclusões por eles levantadas durante o debate.

O historiador tem por princípio de sua profissão o questionamento de fontes que fundamente o objeto de seus estudos.
No caso referente a este trabalho as fontes trabalhadas foram a letra de uma canção e a parodia satírica e crítica da mesma. Em face da pesquisa em discussão, foi feita uma análise contextual dos períodos de suas produções e divulgações, ou seja, a Guerra do Vietnã e o Regime Militar no Brasil.
Integrando tais dados para análise, pudemos enfim compreender a situação histórica referente à contestação social do período, levantando parâmetros valorativos da participação da opinião pública na luta pela transformação social.
Também como elemento relevante neste texto, falamos da força da indústria cultural na divulgação de valores culturais e sociais em questão.
Encerro este contexto refletindo que toda forma de cultura é representativa da história, portanto, são peças-chave para a fonte de estudo do historiador.

  
CZAJKA, Rodrigo. A revista civilização brasileira: projeto editorial e resistência cultural (1965-1968). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782010000100007&script=sci_arttext, acesso em 22/04/12.
FRANÇA, Cyntia Simioni. Produção do Conhecimento Histórico. História VII. SP: Pearson Prentice Hall, 2010.
GERSTLE, Gary. Na sombra do Vietnã: o nacionalismo liberal e o problema da guerra. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042008000200003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt, acesso em 22/04/12.
SALOMÃO, Gilberto. Intervenção e derrota dos EUA. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia/guerra-do-vietna-acordo.jhtm, acesso em 22/04/12.
TOMAZI, Nelson Dacio. (Coord.), Iniciação à sociologia. 2. ed. São Paulo: Atual, 2000. p. 205-208.
O Chamado “Milagre" Econômico Brasileiro, disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/milagre-economico-brasileiro.htm, acesso em 22/04/12.






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