Fazendo História

Primeira Estação:

Convido a todos fazer parte deste passeio pela Vida, já que para fazer história é preciso ter passado pela vida e deixado sua marca. Assim, desde filósofos, políticos e mártires até escravos, indígenas e o tocador de tuba no coreto fazem parte desta viagem que quer retratar a cultura costurada durante o tempo dos Homens.
Aproveitem da viagem!

domingo, 9 de maio de 2010

Theatro Vasques - Uma viagem histórica pelo trilho das artes




Este trabalho vem apresentar como monumento histórico o Theatro Vasques, que nos remete a pensar na memória coletiva da cidade de Mogi das Cruzes.

Vale lembrar a posição do historiador Jacques Le Goff quanto ao documento histórico:

“De fato o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelas que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa aos historiadores”. A partir desta citação podemos perceber que ao historiador cabe a escolha e a temática a ser atribuída ao documento em estudo.

A escolha do Theatro Vasques como monumento histórico nos leva a desvendar as questões que estão inseridas dentro da construção deste patrimônio como elemento da memória coletiva desta cidade, e todo um contexto histórico na qual esteve ligado e do qual participa até hoje junto à formação cultural de uma localidade.

Passemos agora a esta análise:

Identificação do Monumento: “Teatro Vasques”- Teatro Municipal de Mogi das Cruzes – SP.

Localização: Rua Doutor Correa, n° 515 – Largo do Carmo, Centro, Mogi das Cruzes. Início da construção – fevereiro de 1901 – Inauguração – 6 de dezembro de 1902.

Dimensões: De forma retangular, o Theatro Vasques foi edificado para acomodar uma platéia de 417 espectadores, distribuídos em 2 pavimentos. No térreo ficava a platéia com 305 lugares e no pavimento superior estavam os 7 camarotes com 4 cadeiras cada, e a galeria nobre nas laterais, com 42 lugares cada . Tinha um palco italiano 7m de profundidade pro 10 de largura.

Apresentava um hall de entrada comportando uma pequena chapelaria e exposições de quadros ao longo de suas paredes. Na área técnica, o teatro dispunha de ante-salas e camarins, setor de som, de iluminação e sanitários.

Por representar um monumento em homenagem à modernização da pacata comunidade local, os materiais empregados foram adquiridos na capital paulistana, fazendo com que a obra se destacasse tanto em volumetria, como pelos traços estilísticos.

Descrição Histórica

A idéia da construção do teatro nasceu do movimento de um grupo de mogianos inspirados pela onda de otimismo e progresso que se assistia na cidade durante a chegada do séc. XX.

Em fins do séc. XIX Mogi das Cruzes passava por uma fase de importantes transformações históricas, onde a vida cultural intensificava-se conforme os movimentos políticos e sociais. Nos idos de 1900, foi inaugurada a estação ferroviária que passou a facilitar aos habitantes locais o acesso a capital, também nesta fase foi instalado o primeiro telefone nesta estação e a primeira maquina de escrever na Câmara Municipal, estes são apenas alguns avanços que incitaram o desenvolvimento da modernidade nesta cidade.

Desde muito antes da construção desse Teatro, que os mogianos se deliciavam com espetáculos dramáticos levados à cena por grupos de amadores, após longos e penosos ensaios. E como não existia lugar adequado, improvisava-se o palco em uma casa particular ou no saguão do Mercado Municipal.

Em 1897, por iniciativa do farmacêutico Júlio Wenceslau Carneiro, um grupo de mogianos fez a adaptação do prédio cedido gratuitamente pelo Cel. Benedito de Almeida, sito à Rua do Sacramento, hoje Pe. João, esquina da Rua das Flores, hoje Flaviano de Melo, cujo edifício passou a receber o título de “Teatro Mogiano”. Ali, fizeram ótimas temporadas diversas companhias teatrais, levando à cena os dramas afamados da época, como a “Guerra de Cubas”, “Falsa Adúltera” entre outros, e sempre com a platéia lotada de espectadores.

Depois de algum tempo, as entradas ficavam cada vez mais difíceis de serem adquiridas, pela falta de espaço para as acomodações da platéia.

Em 1900 entrou em pauta de discussão a construção do Teatro Municipal entre alguns mogianos culturalmente renomados, este grupo liderado pelo Capitão Joaquim de Mello Freire, resolveu mediante uma sociedade de ações, a construção de uma casa de espetáculos adequada para estes fins. O terreno foi cedido pela Câmara Municipal, ao lado do convento do Carmo e as obras tiveram início em fevereiro de 1901, entre foguetes, músicas e discursos, era assentada a primeira pedra da construção. Sobre a direção dos serviços, planta, edificação e pintura do consagrado ator brasileiro Roque de Castilho (ex-aluno da escola Politécnica do Rio de Janeiro).

A inauguração do modesto, mas elegante teatro Vasques foi feita a 6 de Dezembro de 1902, cercado de muitas comemorações pela cidade. Roque de Castilho conseguiu a vinda de vários artistas e com elementos locais, preparou a peça inaugural. Ás 20h, já todas as dependências do teatro se achavam tomadas. Tudo que havia de fino em Mogi ocorreu àquela casa de diversões, nela o Sr. Olegário Paiva, o grande mogiano sempre dedicado a sua terra, ali estava com toda sua família vinda especialmente de Santos. Foi ele um poderoso sustentáculo na construção do Teatro. Nilza Paiva, mais tarde Madame Durval Braga, fez o discurso inaugural, recebendo ao final delirantes aplausos. De seus camarotes outros cidadãos ilustres produziam eloqüentes discursos, seguidos pelo espetáculo da Banda Guarani. Quase à meia noite começaram as representações das peças “Amor em Libré” (um ato) e “Tire dali a Menina” (dois atos), que se prolongaram até alta madrugada.

Cabe aqui uma pausa nesta descrição para falar sobre o nome escolhido para o Theatro Municipal. Vasques, como era conhecido o famoso ator cômico do séc. XIX, era na verdade Francisco Correa Vasques, um ilustre representante da classe artística, que além de ser um gênio em espiritualidade e bondade era reconhecido por todas as classes sociais, inclusive pelo imperador D. Pedro II, outro grande amante das artes. Vasques era um fiel servidor a Deus e aos homens. Assim dizia o ator: “Nascer, trabalhar, morrer. Depois da morte, vala comum ou estátua. Não importa. O indispensável é tirar ao homem a convicção de que ele deve produzir para merecer honrarias que, convencionalmente, o coloquem acima de seus semelhantes. Na oficina do mundo, o homem é um operário de Deus. E Deus não é se não, misericórdia e bondade. Ser perfeito para sua consciência é ser útil para os seus iguais.” Esta era sua profissão de fé.

Assim Vasques, o mais popular artista de seu tempo que viera a falecer em 1982, foi homenageado ao deixar seu nome gravado no Teatro Municipal de Mogi das Cruzes; o “Theatro Vasques”.

Voltando à narrativa histórica, vemos o início do séc. XX com intenso movimento artístico na pacata cidade de Mogi das Cruzes.

No teatro, apresentaram-se grandes companhias teatrais, vindas de várias capitais que, nos entreatos davam lugar a apresentações de orquestras. Todos os domingos, das 20 às 23h, o velho Teatro Vasques era ponto de reunião da sociedade mogiana. Seu auditório dispunha de acomodações que eram distribuídas segundo o poder aquisitivo deste público. Em alto patamar ficavam os camarotes destinados aos membros da elite, seguida da galeria nobre, a platéia e o poleiro (para as classes menos abastadas).

Quando o teatro não estava em época de temporada artística, apresentavam-se por lá espetáculos beneficentes montados por grupos amadores.

E assim, desde então ficou Mogi com um teatro dos melhores do interior paulista. Por ele passaram artistas de valor e seus salões serviram para que os cidadãos mogianos melhor se conhecessem e se estimassem.

A partir de meados de 1906, o entusiasmo inicial começa a arrefecer com certa indiferença, a sociedade mogiana já não se inflamava mais com as novidades do teatro.

Desta feita podemos verificar o sentimento de mágoa expresso pelo cidadão Silva e Costa, que deixou seu testemunho nas paginas do Jornal “A Vida”, de 10 de junho de 1906: “Hoje, infelizmente, sem uma causa justificada e plausível, quase todos olham para o teatro com indiferença, e muito embora se apresente a melhor peça dramática, cômica ou trágica, não desperta muita atenção... Queremos crer que isto provem da falta de gosto pelas artes ou então de algum resto de avareza disfarçado em economia e sobriedade. Meditando profundamente sobre isto, somos forçados a dizer: é necessário, e mesmo urgente, transformar o elegante “Theatro Vasques” em uma igreja ou em qualquer outro estabelecimento mais aproveitável, do contrario ele permanecerá sempre fechado, às moscas. “

DECADENCIA

Triste cenário para um ambiente de espetáculos culturais... Que, no entanto logo depois, em 1908, viria a ter outra destinação: “Está funcionando em nosso teatro, desde sábado, um ótimo cinematografo com instalações elétricas, o qual rivaliza com os melhores da nossa capital. Este alegre gênero de diversão, não somente por ser o da moda, como também uma novidade para esta cidade, tem atraído boa concorrência às funções” (Jornal A Vida, 15 de abril de 1908).

Este seria o “cinematografo Kaurt”, que significou um profundo golpe às representações teatrais. E desde então, o teatro passa a ser utilizado para conferencias, bailes, festividades civis, banquetes e saraus.

Somente após a reforma de 1915, umas poucas apresentações dramáticas, de cunho amador retomaram a cena do teatro. Em 1922, graças à intervenção de Sylvio Vieira, grande barítono mogiano, que trouxe a Companhia Nacional de Ópera Lyrica com a encenação de a “Tosca”, para dar novo impulso ao Theatro Vasques o que, entretanto não durou muito.

Em 1927 e no ano seguinte o teatro teve novo alento com apresentações musicais muito em voga nesta época, destacando artistas como: Celeste Reis, Vivente Celestino, entre outros. Mas também este reflorescimento foi efêmero demais e a decadência do teatro se efetua ainda mais até 1935, quando por fim esta casa de espetáculos dá lugar ao Paço Municipal, onde viria a funcionar a Câmara Municipal até 1937, quando esta foi fechada em virtude de ordens vindas do governo do Estado Novo, e reabrindo novamente em 1948, ainda como Câmara Municipal.

Desde 1935, nunca mais Mogi teve um teatro.

Mas o teatro mogiano não morria, pois um novo alento começou a transparecer no trabalho de um grupo de moços que trouxeram novas esperanças às artes: o Teatro Experimental Mogiano, num trabalho de idealismo e arrojo tentava suprir a lacuna deixada pelas gerações que os antecederam. É nesta conquista de jovens que residem às aspirações de um povo que, sobretudo, almeja restaurar a grandeza do Teatro Mogiano.

ATUALMENTE

Depois de anos de abandono e sucateamento, o Teatro retomaria suas atividades artísticas depois da reforma de 1980, feita por uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes e a Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo. O teatro agora reformado receberia outra denominação: Teatro Paschoal Carlos Magno, em homenagem a um grande ator do séc. XX, que veio a falecer naquele mesmo ano.

Em 2002, face ao Centenário do Teatro Municipal, um movimento de intelectuais de Mogi buscou resgatar na história de Mogi, razões patrimoniais para o restabelecimento do nome original do Teatro.

Atualmente o Theatro Vasques mantém viva grande parte das manifestações culturais da comunidade mogiana e segue sua história como patrimônio histórico desta cidade.

É sempre importante fazer o resgate da história de uma comunidade e localidade. Partindo da análise de um monumento do patrimônio histórico podemos enxergar diversas manifestações culturais assim como políticas de uma sociedade.

Ao ser analisado, este monumento nos revela informações substanciais de um contexto histórico, e por isso a importância desse estudo, também é primordial ao historiador.

O monumento que neste trabalho foi estudado: O Theatro Vasques nos traz à tona diversas situações históricas e sociais da cidade de Mogi das Cruzes. A cada fase descrita entre auge, decadência e revitalização, a história do teatro nos apresenta diferentes momentos da realidade social, que por fim, partindo deste microcosmo podemos também atingir também o macrocosmo cultural do nosso país.

BIBLIOGRAFIA

LE GOFF, Jacques. História e Memória, 4. Ed. Unicamp, 1996.

FERREIRA, Procópio. O ATOR VASQUES. Coleção Memória, FUNARTE – Serviço Nacional de Teatro, Rio de Janeiro, 1979.

FREIRE, Manuel de Souza Mello. Histórias da história de Mogi das Cruzes. Col. Boygiana, n.2, São Paulo: Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes, 2002.

GRINBERG, Isaac: História de Mogi das Cruzes, Saraiva, S. Paulo, 1961, 2a Ed. GRINBERG, Isaac: Memória Fotográfica de Mogi das Cruzes, Editora EX LIBRIS, S. Paulo, 2001

Panorama da Arquitetura de Mogi das Cruzes. Alunos do curso 2000/2002 – Levantamento Histórico e Arquitetônico. Universidade Brás Cubas, M. C., 2001

“A VIDA”: semanário local, editado por Silva & Sodré, 1906 a 1924 (coleção do Sr. Francisco A. Mello);

“O Liberal”, semanário local, editado por Francisco A. Mello, 1930 a 1935;

http://sementesdaarte.blig.ig.com.br/

6 comentários:

  1. Belo texto! Me apresentei hoje no Theatro Vasques pelo Circuito Cultural, sou ator, e confesso que fiquei admirado quando vi a fachada do teatro e também pela sua excelente conservação externa, pena não ter restado muito de sua formação original no interior da casa. Assim que cheguei em casa quis conhecer um pouco da historia deste teatro e não é tão diferente de muitos teatros historicos espalhados por este "Brasil Displicente"...

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  2. A história do teatro vasques vive mais do que calçadas de pedra,vive em cada gesto dos atores e seu tempo.Mas vale também o patrimônio da calçada, que também viu os passos das filas de esperas,entre ingressos e brigas de quimeras.

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  3. Estou pesquisando lugares para visitar e fotografar em Mogi e, procurando informações sobre o Theatro Vasques cheguei até esse blog. Obrigado por compartilhar a pesquisa.

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  4. Esta é a segunda vez que vejo um texto seu sobre o Teatro Vasquez e novamente fiquei admirado pelo texto e pesquisa feitos. Parabéns. Você é de Mogi? Gostaria de manter contato se possível. Mais uma vez, meus parabéns.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. A ideia de retomada do nome original do teatro, não foi de um grupo de intelectuais, como diz o texto. Foi sim pelo empenho do Historiador Jurandyr Ferraz de Campos, que como Secretário de Cultura e Meio Ambiente, 2001/2004, encaminhou à câmara de vereadores o projeto de mudança, e em dezembro de 2002, o teatro voltou a se chamar Teatro Vasques. E com um mês de programação especial pelo centenário do teatro. O ponto alto das comemorações do centenário foi o musical "Teatro Vasques sim senhor", que contou com 50 artistas, entre músicos, atores e bailarinos. Produzido, dirigido pelo artista mogiano, José Luiz da Silva, popularmente conhecido como Rabicho, que também assinou a trilha original, compondo 10 canções para o espetáculo.

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