Fazendo História

Primeira Estação:

Convido a todos fazer parte deste passeio pela Vida, já que para fazer história é preciso ter passado pela vida e deixado sua marca. Assim, desde filósofos, políticos e mártires até escravos, indígenas e o tocador de tuba no coreto fazem parte desta viagem que quer retratar a cultura costurada durante o tempo dos Homens.
Aproveitem da viagem!

domingo, 9 de maio de 2010

Antropologia - Maurice Godelier


O texto, “Ocidente Espelho Partido: uma avaliação parcial da antropologia social” narrado por Maurice Godelier propõe uma discussão a respeito da antropologia social basicamente governada pelas potências européias.

Neste trabalho vamos privilegiar os conceitos abordados pelo autor a respeito da caracterização da antropologia como ciência, as análises específicas de outros pesquisadores e a importância destas analises para o entendimento de sociedades com pensamentos e comportamentos diferentes do europeu, mas que nem por isso podem ser classificados como primitivos.

Maurice Godelier, neste texto, procura destacar estudos de antropólogos que marcaram época e modificaram a imagem degradada da antropologia, proporcionando a esta uma visão científica, já que alguns indivíduos estabeleceram para suas atividades a meta de descobrir uma lógica, com o fim de reduzir a diversidade empírica a tipos e encontrar o fator determinante da necessidade daquelas variações em que a antropologia tivesse um objetivo diferente do que a sociologia se propunha fazer.

O que distingue afinal essas duas disciplinas é, em primeiro lugar, o método empregado para coletar os dados, ou seja, a observação participante no caso dos antropólogos, e em seguida as características especificas das sociedades ou dos fatos sociais privilegiados por cada disciplina, as sociedades primitivas ou não-capitalistas pela antropologia, e as sociedades ocidentais, industriais e urbanas pela sociologia.

A antropologia nasceu da necessidade experimentada no Ocidente de conhecer melhor dois campos da realidade que no início eram totalmente separados. Por um lado os povos da África, da América pré-colombiana e da Ásia na qual a Europa estava descobrindo e progressivamente submetendo a seu comércio ou ao poderio de suas armas. Por toda parte essa grande potência dominou esses povos através do seu meio governamental, comercial e militar, evangelizando com seus missionários, estes mesmos eram forçados eventualmente a dedicar-se ao estudo das línguas, em sua maioria não escrita, e a observação dos costumes desses povos, quando mais não fosse para erradicá-los.

Até o século XVIII, o saber antropológico esteve presente na contribuição dos cronistas, viajantes, soldados, missionários e comerciantes que discutiam, em relação aos povos que conheciam, a maneira como estes viviam a sua condição humana, cultivavam seus hábitos, normas, características, interpretavam os seus mitos, os rituais, a sua linguagem. Somente neste mesmo século a antropologia adquire a categoria de ciência, partindo das classificações de Carolus Linnaeus e tendo como objeto a análise das raças humanas.

Sendo a antropologia um estudo dedicado ao conhecimento do homem ou grupos sociais e que este é visto por outros povos como atrasados culturalmente e menos desenvolvidos econômica e socialmente. Este se tornou um estigma no qual os países que hoje se tornaram independentes recusam a receber antropólogos, declarando que um sociólogo seria de maior uso para seus povos já que estes grupos não são selvagens mas pessoas civilizadas.

Tanto a sociologia quanto a antropologia interessam-se mais pelas sociedades vivas que pelas do passado distante estudadas por historiadores. Antropólogos focalizam suas buscas de conhecimentos mais nas sociedades orientais e tribais que pelas ocidentais e também pelos aspectos tradicionais destas.

Dessa forma constitui-se uma grade de análise dos fatos sociais que parecia permitir comparar todas as sociedades entre si. As sociedades distinguiam-se umas das outras não mais através das funções, e sim da maneira como essas funções assumiam formas institucionais particulares, ocupavam lugares específicos e se exprimiam em sistemas ideológicos e simbólicos originais.

A antropologia como uma prática de conhecimento, tem como objetivo descobrir os sentidos e as razões de ser dos modos de vida e de pensamentos que se podem observar nas diversas sociedades que hoje existem na superfície da terra, compondo todos, a essência da humanidade.

Maurice focaliza seus estudos na análise dos vínculos de parentesco. Portanto em qualquer sociedade há um campo do parentesco, embora razão alguma determine que o parentesco tenha em todo lugar o mesmo estatuto e a mesma estrutura que aquilo que denominamos "parentesco" no mundo moderno ocidental.

Foi preciso descentralizar a prática científica do universo cultural de referência etnocêntrico dos antropólogos. Isso é possível e Morgan o demonstra.

A partir de então vários antropólogos deixaram sua contribuição para a compreensão de diversas sociedades tribais segundo suas culturas especificas:

O antropólogo norte-americano Lewis Henry Morgan, amigo e defensor dos índios, é tomado de paixão pelo estudo de seus costumes. No decorrer de suas pesquisas junto aos índios Soneca descobre que os laços de parentescos destes índios, manifestam uma lógica própria, para essa tribo a imagem de pai e irmão possui o mesmo nível de respeito e valores e adquirem o sentido daquela formação social e da distribuição de suas funções entre a tribo.

Ao observarmos a pesquisa de Lévi-Strauss, vemos que tem uma visão da humanidade primitiva como formada por famílias biologicamente isoladas, dominadas por machos que em intercambio com suas mulheres procuram superar o medo e a ignorância.

Desse contrato social teria nascido o que ele denomina "uma
sociedade humana autêntica sobre a base artificial dos vínculos de aliança”, privilegiando a transmissão das funções na tribo, através de vínculos de parentesco incestuosos que tem a intenção de fazer com que os cargos de maior valor na tribo permaneçam entre os indivíduos de mesmo sangue.

Fison e seu companheiro de trabalho Howitz estudaram os aborígines australianos, onde as mulheres destas sociedades ficam grávidas quando um espírito-criança penetra nela e se mistura a seu sangue menstrual. Portanto os filhos são concebidos sem intervenção do pai.

Já os Baruya, tribo de Papua Nova Guinea que foi estudada pelo antropólogo francês Maurice Godelier, são caracterizadas pela desigualdade entre o sexo masculino e feminino, em todas as organizações, instituições e mitos predominam o domínio masculino. Nesta encontra-se uma teoria um tanto quanto diferente no processo de concepção. Cabe ao Sol, concebido como pai de todos os Baruya, executar o acabamento da criança no ventre da mãe construindo as extremidades de seus membros onde reside o espírito.

Em outras sociedades, tomando como exemplo a da Nova Caledonia estudada por Alban Bensa acreditam que o corpo físico da criança a vem da mãe e que esta é concebida através da magia do irmão da mãe. O pai por sua vez transmite seu nome, sua terra e o poder dos ancestrais ao seu filho. Quando o homem morre, seu espírito então terá um lugar especial em seu clã e aguardará pela reencarnação em algum ponto sob a água do mar.

O antropólogo Meyer Fortes, demonstrou que tais estruturas podiam edificar-se igualmente em torno da posse comum da terra e em torno da posse de mitos e ritos sagrados, de poderes espirituais a transmitir às gerações seguintes, e que essa transmissão de terras, de poderes, em benefício de determinados parentes à exclusão dos outros, assim os vínculos de parentesco constituem os suportes de processos de apropriação e uso da terra ou de títulos de estatutos, essenciais para a reprodução da sociedade.

Para Evans-Pritchar e Meyer Fortes o parentesco, antes de mais nada, são as relações de filiação existente entre indivíduos conectados por vínculo genealógicos e reunidos em um mesmo grupo de dependência, linhagem, clã, graças a um principio que privilegia seja a descendência pelo sistema patrilinear, matrilinear ou bilineares.

Os franceses, Claude Lévi-Strauss e Louis Dumont, por sua vez possuíam uma tese oposta, onde o parentesco, que na verdade é a aliança ou intercambio. Esse intercambio se dá através do casamento entre pessoas de tribos diferentes. Lévi-Strauss identifica os mitos como uma forma de expressão no qual a língua poderia ser descoberta e explorada. Essa teoria tenta explicar quão fantástica e arbitrarias são as histórias e ao mesmo tempo parecidas através das culturas.

Vamos levar em conta, agora, a explicação de Marx para o contexto das transformações sociais através da dialética de lutas entre classes sociais, e que atribui este processo a causas econômicas e evolutivas das sociedades; no entanto no que concerne às perspectivas de estudos antropológicos, este parâmetro do materialismo histórico não pode ser aplicado no caso das sociedades tribais, objeto de estudo ultimo dos antropólogos, que tem sua estrutura organizacional pautada na economia de subsistência e segundo tradições familiares de convivência.

Todas as escolas antropológicas surgidas depois de Morgan puseram-se de acordo para repudiar o evolucionismo que aparecera como o ponto fraco de sua teoria e o obstáculo que era preciso retirar para poder avançar no processo de estudo dos antropólogos.

Finalmente, todas essas análises convergem sempre para a mesma grande questão: existem relações de causalidade? É este o ponto onde tomam corpo e se defrontam grandes teorias - a de Marx, a de Max Weber.

A ruptura com este modelo evolucionista e eurocêntrico, proposto por Weber, visava separar o reconhecimento das diferenças culturais das nações invadidas durante o colonialismo europeu, das pretensões ideológicas destas metrópoles que se utilizavam de “máscaras” religiosas e científicas como finalidade da dominação, exploração e aculturamento dos povos de suas colônias.

Neste sentido, as sociedades coloniais, antes vistas sob um aspecto primitivo e selvagem, podiam ser analisadas agora segundo suas especificidades orgânicas e necessidades próprias a seu modo de vida e cultura tribal.

Desde o aparecimento da Antropologia contextualizada historicamente sob a influencia determinista do evolucionismo e positivismo iluminista, carregada também do viés eurocêntrico, houve a necessidade de compreensão das diferenças culturais e organizacionais das sociedades “descobertas” alem do mundo europeu civilizado e evoluído. Esta imagem ideológica teve de ser transformada a partir de então, aos poucos e sobre muita luta cientifica, que pudesse caracterizar a antropologia enquanto ciência necessária ao conhecimento dos povos ameríndios, aborígenes, entre outros. Nesta luta pela identidade antropológica, seus autores entraram em contatos com as comunidades que foram objeto deste estudo, e somente assim puderam verificar seus valores e especificidades culturais, diferentes da sociedade moderna, mas nem por isso podendo ser reduzidas ao primitivismo e selvageria.

Ao antropólogo e ao historiador, assim como outros estudiosos das ciências humanas, cabe antes de qualquer coisa o questionamento e a interpretação dos dados e fontes pesquisadas, sempre na busca do entendimento do universo cultural em questão, deixando de lado o aculturamento, os valores preconcebidos e a transvaloração cultural de sociedades que trazem sua herança na historia de seu povo e na tradição de seus ancestrais, e por isso devem ser valorizados como tais.

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