Fazendo História

Primeira Estação:

Convido a todos fazer parte deste passeio pela Vida, já que para fazer história é preciso ter passado pela vida e deixado sua marca. Assim, desde filósofos, políticos e mártires até escravos, indígenas e o tocador de tuba no coreto fazem parte desta viagem que quer retratar a cultura costurada durante o tempo dos Homens.
Aproveitem da viagem!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A MUSICALIDADE QUE PARTIU DOS MORROS PARA O MUNDO:

A face popular da música carioca no Brasil da Primeira República

Epígrafe: Poderíamos dizer que, neste quadro, o músico representa a farmacopéia. E não há quem não veja quão maravilhoso campo se lhe oferece; tanto mais, que numa certa altura não se trata apenas de um problema de tensões, mas também de considerações estéticas agindo numa esfera mais ampla da sensibilidade do paciente. (Sérgio Magnani, 1989, p.55.)
RESUMO: O texto aborda o sentido da musicalidade popular brasileira como parte formadora da identidade cultural do país. Esta abordagem está inserida no contexto da Circularidade Cultural que aponta a intercomunicação entre diferentes classes, dentro de um patamar de aceitação e de contradições sociais que estiveram presentes no Rio de Janeiro, durante a primeira República do Brasil.

Esta pesquisa vem contemplar a formação sociocultural da música popular brasileira, tratando das contribuições culturais que promoveram a consagração da música popular, que integrou diferentes influências das camadas sociais componentes da sociedade carioca no início do século XX.
Hoje o samba constitui um dos maiores ícones da representação cultural do Brasil; mas como esta face popular alcançou reconhecimento nacional e mundial de identidade cultural da nação? Quem foram seus protagonistas numa luta social que envolvia uma elite pretensamente progressista e adepta de valores positivistas e, de outro lado, uma população mestiça e de ex-escravos que eram marginalizados, mas ainda assim puderam mostrar sua originalidade cultural e conquistar grandes públicos com a peculiaridade de seus ritmos, canções e cotidiano?
Este trabalho, antes de responder a tais questões, buscará ainda se debruçar a um olhar crítico sobre a sociedade, moral e comportamentos que moldaram o amálgama da multiplicidade e da circularidade cultural de nossa etnia.
Em se tratando de espaço e temporalidade, falo da capital federal da Primeira República, o Rio de Janeiro, entre 1890 e 1930, num período que vai desde a Abolição da escravatura à instalação da indústria fonográfica pré Era do Rádio.
São objetivos deste trabalho, compreender uma das faces da formação cultural brasileira dentro de origens populares e miscigenadas para a criação e divulgação da música popular brasileira, investigar a história da vida social carioca do início do século XX até meados de 1930 (antes da Era do Rádio), através da biografia de músicos e fontes jornalísticas a respeito de artistas do samba e do chorinho, comparar as representações musicais das melodias e líricas criadas nesta época, com os parâmetros morais vigentes, de discriminação, preconceito, injustiças e por outro lado evidenciar a disposição popular para a poesia, as festividades e a superação de suas precárias condições, aproximar a vertente da história da música popular brasileira da perspectiva da história cultural e das mentalidades e disponibilizar recursos e metodologias investigativas que possibilitem o estudo da História através da música.
Serão destacados alguns artistas que participaram deste momento histórico e que puderam representar através da música certas faces das tensões sociais em curso, dentro das relações humanas, de questões profissionais, dos sentimentos intrínsecos às líricas e melodias, dos valores morais e políticos desta época. Dentre os destaques estão: Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha e Noel Rosa, não esquecendo tantos outros poetas que deixaram sua marca na história da música popular brasileira.
Em se tratando de música e sociedade, a linha teórica seguida é de História e Cultura, uma vez que através da caracterização social dos primórdios do samba e do chorinho, poderemos verificar parâmetros da vivência e circularidade cultural das camadas urbanas do Rio de Janeiro, envolvidas em situações de lutas sociais e pessoais por direitos, contra o preconceito e injustiças, frente a contradições de interesses das elites e dos populares, mas também levando em conta a representação cultural das emoções em jogo nas apresentações musicais, nas festividades, nos encontros dos cafés e salões desta época.
O Rio de Janeiro, como capital do Império em fins do século XIX, passava por uma situação de transformação social e política que resultaria na proclamação da República do Brasil; entretanto o advento da República não representava realmente uma quebra de paradigmas de dominação das elites ou a determinação de direitos civis e do liberalismo econômico, ao contrário disto, consolidava as bases do pensamento positivista, com seu idealismo etnocêntrico, afirmando que o progresso desta nação seria conquistado através da ordem – assumida pela força militar, e o predomínio das elites agrárias, de formação europeizada, no controle político do país. Isso condicionava necessariamente o expurgo das classes populares e miscigenadas do centro da cidade e dos centros das decisões políticas do país.
Foi neste ensejo de exclusão social que as camadas populares urbanas do Rio de Janeiro - reunidas entre ex-escravos, imigrantes operários e migrantes nordestinos - se direcionaram aos morros cariocas e foram criando uma identidade própria de luta por reconhecimento e qualificação social em contraste com uma expressão de lírica musical que se tornou cativante e integradora das comunidades, conquistando inclusive a face erudita das altas classes.
Mais adiante, no curso da história do início do século XX, houve uma motivação intelectual, direcionada pelo movimento Modernista, para a assimilação do povo miscigenado do Brasil, como podemos verificar também na obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, que apresenta a vertente valorativa da miscigenação como elemento criador da identidade e da autenticidade da cultura brasileira.
       Partiremos agora por esta senda da musicalidade popular que fez história no Brasil...
A Primeira República se instalou no Brasil sob a bandeira do progresso. Este espírito progressista anunciava a intensa fase de transformações políticas e sociais que viriam acontecer no novo século. Entretanto existia uma clara contradição entre as classes deste novo regime, como afirma Gilberto Dimenstein:
 No fim do século XIX, a Proclamação da República se fez sob a liderança de civis e militares, muitos dos quais adeptos de uma vertente racionalista do pensamento que ganhava força no país: o positivismo. (...) Com urna dependência econômica e intelectual, o discurso racionalista foi usado muitas vezes em flagrante contradição com uma realidade da qual pouco podia se orgulhar, mas que servia adequadamente aos interesses das elites agrárias e conservadoras que estavam no poder. (DIMEISTEIN, 2008, p.99).
Nascia, assim, uma nação sob o signo do preconceito, do militarismo e do coronelismo. Em contrapartida, a classe dos esquecidos e marginalizados: de ex-escravos e mestiços sem posses, tinha de conseguir alguma forma de sobrevivência dentro dos limites a que estavam destinados, como pedreiros, entregadores, serviçais, entre outros, sem contar na falta de acesso à educação e à participação política. Dentro deste quadro social, se pensarmos bem, estavam estes, fadados a ser a escória da sociedade. Entretanto, em se tratando de termos culturais, estas classes populares, por mais marginalizadas que fossem, souberam preservar sua identidade cultural, além de ter deixado sua marca em influências sonoras e rítmicas desde o Brasil colonial.
Nestas condições,
(...) acima das falas dos que começavam a defender junto ao povo melhores condições de vida, soavam palavras de ordem pautadas na tese da inferioridade de um povo mestiço e negro e só diferiam quanto às estratégias recomendadas para revertê-la. (PATTO, 1999)
Neste contexto social não se pode falar em culturas distintas e incomunicáveis, ao contrário, a circularidade cultural entre estas classes não pôde ser contida, mesmo com a vertente positivista e preconceituosa das elites.
As classes populares brasileiras, sutilmente e mediante intensa luta social, determinada por valores morais, por fim, puderam conquistar seu lugar na sociedade, principalmente no âmbito do reconhecimento cultural.
Assim,
[...] três raças fundem-se no samba, como num cadinho. [...] No samba desaparece o conflito das raças. Nele se absorvem os ódios da cor. (Fantasio, pseud. de Olavo Bilac, Revista Kosmos, maio, 1906 in DANTAS, 2009).
Ainda neste parâmetro de tensões sociais, buscarei nas referidas fontes musicais, tais representações culturais de sentimentos subjetivos e externos às camadas populares.
Como parâmetro metodológico, procuro trabalhar com a noção de Circularidade Cultural emprestada do historiador Carlo Ginzburg, que em sua obra O Queijo e os Vermes (1987, p.13), afirmava o “(...) termo circularidade: entre a cultura das classes dominantes e das classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências recíprocas que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo (...)”. Desta forma retratando “(...) o influxo recíproco entre cultura subalterna e hegemônica, particularmente intenso na primeira metade do século XVI.” (GINZBURG, 1987, p.13). E assim, aproximando esta noção da realidade brasileira da Primeira República, também podemos ver claramente tal mecanismo de inter-relação entre as classes urbanas da capital federal, que mesmo submersas em uma dicotomia moral contraditória, ainda mantiveram e desenvolveram-se dentro de um intercâmbio cultural que direcionaria a formação da identidade e originalidade da cultura brasileira.
Das fontes documentais pesquisadas, encontrei no acervo da Biblioteca Nacional (RJ), periódicos do início do século XX, reportando matérias sobre a música brasileira, o carnaval no Rio, retirados da Revista América Latina, de 1919 e sobre as tradições culturais, na Revista Kosmos, de 1907. Estes documentos nos reportam à visão da intelectualidade elitista do período, retratando seus valores e intenções perante a nação em formação.
Por fim, mas não menos importantes, foram escolhidas algumas obras musicais de artistas representativos da, já citada, circularidade cultural, que promoveram esta integração entre as classes, resultando na formação de uma das identidades culturais do Brasil, através da música popular. Entre eles serão destacados os trabalhos de Chiquinha Gonzaga, com a obra O Gaúcho (Corta Jaca), Pixinguinha, com Samba de Fato, e Noel Rosa, com Filosofia. Estes artistas foram selecionados, não desmerecendo os demais, porque suas obras deixam clara a miscigenação étnica e cultural desta nação, além de retratarem seu valor na composição musical e as novas estruturas do cotidiano urbano e popular que se desenvolviam no país.
Como referências bibliográficas, busquei fontes de autores que se debruçaram em longos estudos da musicalidade brasileira, como a contribuição de José Ramos Tinhorão em História Social da Música Popular Brasileira, de Luiz Tatit, a obra: O século da Canção, de Almirante o livro: No Tempo de Noel Rosa.
Desta lista, o primeiro autor, J.R.Tinhorão, faz um apanhado mais completo e complexo de análise da musicalidade popular brasileira, se remetendo a estudos que vão desde o Brasil colonial até o contemporâneo. Os seguintes autores direcionaram seus estudos a épocas específicas e mais recentes, assim como em Luiz Tatit que trabalha com as estruturas formais e históricas da canção popular durante o século XX e Almirante que aborda registros de sua vivência como músico e parceiro de Noel Rosa, contando situações cotidianas de sua experiência musical.
1.1   A MÚSICA POPULAR NOS PRIMÓRDIOS DO SÉCULO XX
A Circularidade Cultural do Brasil se apresenta, na vertente musical, desde a época colonial, com inter-influências das diferentes etnias que compuseram a população brasileira.
Mas foi em meados da segunda metade do século XIX, que esta característica social tornou-se latente na busca, dos músicos, de consolidar uma identidade cultural original da nação recém-independente da metrópole portuguesa. Neste processo, dois autores da música erudita, conseguiram se destacar e prenunciar as novas estruturas musicais do Brasil, falo de Carlos Gomes e Heitor Vila Lobos. E neste intermeio, entre o erudito e o popular, a figura significativa do período, responsável por romper com velhos tabus e preconceitos, foi Chiquinha Gonzaga (1847-1935), a primeira maestrina brasileira, representante ativa de várias lutas sociais, como a Abolição da escravatura e a Proclamação da República, uma mulher realmente a frente de seu tempo, que compunha partituras e as vendia como forma de sustento de sua família, uma vez que abandonara sua estabilidade de classe média, ao deixar seu marido militar, aos 18 anos.

A respeito desta artista, o importante aqui, é falar do intercâmbio cultural entre as classes erudita e popular, por ela promovido, através de sua musicalidade. Chiquinha fora criada para ser sinhá; com formação clássica de piano, mas que ao longo de sua história pessoal, envolvera-se nos mais diversos campos desta arte, fazendo desde apresentações em teatros e salões de alta classe, até entre os músicos populares da boemia carioca.
Resultado disso podemos perceber em suas composições musicais, como em O Gaúcho (Corta Jaca), de 1914, que apresentava a cadência do tango amaxixado, entre violinos e piano, mas com sonoridade do tempero popular da voluptuosidade, e com Ó Abre Alas, de 1899, marcha carnavalesca, encomendada por um negro participante do grupo Rosas de Ouro, composição que sobrevive como marcante de todos os carnavais até os dias de hoje.
Apesar dos preconceitos de sua época, Chiquinha conquistaria seu público, como afirma José Ramos Tinhorão, em A História Social da MPB (1990, p.191):
Descoberta a fórmula, Chiquinha Gonzaga não terminaria o ano de 1913 sem tentar comercializar já agora o sucesso do seu maxixe disfarçado de tango Não Se Impressione [...]. A partir daí, animada pela voga das estilizações de ritmos populares - que tomou seu nome ainda mais conhecido quando em 1914 a mulher do presidente marechal Hermes da Fonseca, D. Nair de Teffé (Mme. Nair Hermes), tocou ao violão em récita no palácio seu tango Gaúcho, com o nome de «Corta-jaca» [...] 
[...] Ao lado de Costa Júnior e de Chiquinha Gonzaga, outros músicos [...] tentaram esforçadamente adaptar sua formação semierudita ao gosto das camadas mais amplas da cidade.  
Vale lembrar que esta era uma fase em que o conceito moral de nação ainda não era reconhecido em toda a sociedade brasileira, mesmo porque, o aspecto de identidade nacional ainda permanecia bem distante do ideário popular, que se via destituído de qualquer participação pública e democrática no país, pois quem o governava era, na verdade uma aristocracia pelega e clientelista, que se utilizava dos desmandos da força policial para assegurar seus interesses e privilégios.
Em relação à marginalização social, especialmente dos negros, a atitude de repressão oligárquica era constante, e a esse respeito, a autora Letícia Vidor de Souza Reis (1999, p. 243), afirma:
Na verdade, o esforço conjunto das elites e do governo oligárquico da Primeira República ia no sentido de contenção das assim denominadas “classes perigosas”, especialmente no tocante à sua herança africana. Contudo, apesar das vertigens que causava a Bilac e das tentativas de reprimi-la, a presença negra foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade. E isso sob as formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto, da dança: havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes populares e o teatro de revistas, dentre outros divertimentos.
Um pouco por isso, por serem destituídos de direitos e de participação pública, esta classe popular de ex-escravos e pequenos funcionários serviçais, procurou se agregar em uma identidade própria de convivência cultural, tentando galgar um patamar de qualificação no sistema social, o que, desenvolveu-se através da cultura musical, das festas populares, do Carnaval, das casas e salões de música popular.
Foi também ao final do século XIX, que o Entrudo, como aborda o trabalho de Lúcia Gaspar (2008)
 Era no tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em vez das máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas d’água, os banhos, e várias graças que foram substituídas por outras, não sei se melhores se piores.  (Um dia de entrudo, Machado de Assis)
 As famílias normalmente brincavam em um espaço privado, previamente escolhido. As ruas e praças serviam de palco para as classes menos favorecidas, como os homens livres pobres e os escravos. [...] Apesar de todos os protestos, críticas e tentativas de condenar e proibir o Entrudo, especialmente os jogos que se realizavam nos espaços públicos, o folguedo  encontrava-se muito arraigado no inconsciente coletivo do folião.
 e os cordões do Zé Pereira, que eram grupos de foliões organizados em fanfarras barulhentas, anunciando a chegada do Rei Momo (PORTAL SÃO FRANCISCO), começaram a ser reprimidos pelos órgãos de governo e militares, por serem tradições populares que excitavam a “barbárie” das camadas populares, tentando transferir estas práticas carnavalescas para algo parecido aos Carnavais venezianos e para festas a fantasia em salões da elite. Entretanto, não tiveram sucesso nessa empreitada, pois o Entrudo e os Zé Pereiras eram juntamente das festas religiosas, as únicas manifestações da cultura popular possíveis de serem realizadas de forma mais libertária. A esse respeito, Samuel Araújo (org.) (2005, p. 83) descreve a situação:
Cumpre assinalar ainda que, por volta de 1890, o entrudo, prática carnavalesca de rua que envolvia atirar indiscriminadamente limões de cheiro nos transeuntes, e outros tipos de comportamento “desregrado” durante o carnaval, incomodavam principalmente as elites “civilizadas” e tinham destaque em notas como esta de 14/01/1892:
[...] Se bem que estejamos próximos do Carnaval acreditamos não ser precisamente este o meio de festejar a sua breve chegada. Pelo que pedimos a autoridade local que faça por ali rondar amindadas [sic] patrulhas a fim de que os importunos carnavalescos moderem o entusiasmo.
A passagem para o século vinte se apresentava na sociedade brasileira sob o espectro da modernidade e do progresso. Esta ideia de progresso já era notável desde o final do século XIX, com as tendências positivistas que influenciaram a política da “Ordem e Progresso” da nação, que se baseava em parâmetros europeus de industrialização e desenvolvimento e que envolviam as camadas altas e médias da capital brasileira com a perspectiva das novidades do progresso que surgiam: a luz elétrica, o saneamento urbano, o telégrafo, o telefone, os automóveis e o cinema. Entretanto, neste mesmo contexto de reforma urbanística do Rio de Janeiro, a população residente das áreas centrais, próximas ao porto da Guanabara, composta principalmente de trabalhadores do cais e de ex-escravos, era desapropriada deste terreno, por ordens judiciais e sob o aparato policial que os transferiu sorrateiramente aos morros, dando origem às primeiras favelas cariocas, como a do Morro da Penha, de Santa Tereza, do Canta-Galo, da Mangueira, do Salgueiro, entre outros.
Mas foi justamente nesta área central do Rio de Janeiro, – tão incômoda e bárbara, aos olhos da elite – entre a praça XI e o Largo da Carioca, que as comunidades populares se reuniam entre os afazeres diários do trabalho, entre encontros musicais e boêmios dos cantores populares e também entre rituais religiosos do candomblé trazidos pelos migrantes baianos que ocuparam esta área após a Abolição da escravatura. Este cenário era chamado de “A Pequena África”, local que se destaca na História por ter concentrado o grande reduto dos negros e baianos que se instalaram na área do porto carioca desde o final do século XIX. Neste ponto foram formadas as primeiras organizações carnavalescas e musicais, de capoeiras e de terreiros de candomblé. Numa de suas casas houve a criação do primeiro samba brasileiro, Pelo Telefone, gravado por Donga, para o Carnaval de 1917. Esta era a Casa de Tia Ciata, cuja proprietária, Hilária Batista de Almeida, era negra, mãe de santo e migrante baiana, que juntamente de suas irmãs de santo e de seu marido, montaram nesta casa um recinto cultural onde em suas diversas salas, recebia clientes de seus quitutes, músicos populares variados que apresentavam peças do chorinho ao samba, dentre estes, podemos citar, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Sinhô, João da Baiana, Catulo da Paixão Cearense, João da Mata, etc, além de fazer consultas medicinais e ritualísticas do candomblé.

Vejamos como aborda este contexto nas palavras de José Ramos Tinhorão, em A História Social da MPB (1990, p. 218):
Assim, estabelecida desde a primeira república a perseguição sistemática contra as rodas de batuque da Festa da Penha, ou dos pontos de reunião de capoeiras especialistas em pernadas ao som de estribilhos marcados por palmas – [...] os locais mais seguros para as reuniões da gente das comunidades mais pobres passaram a ser as casas das famílias dos baianos mais bem sucedidos. [...] principalmente, a de Tia Ciata, da Rua Visconde de Itaúna 117, vizinha da Praça Onze de Junho, funcionavam até inícios da década de 1920 como verdadeiros centros de diversão popular.
Podemos dizer que não há uma extensa produção historiográfica sobre a música popular brasileira, a maioria das obras referentes ao assunto provém de autores do jornalismo e de biógrafos, entretanto, aqui foram selecionados estudos de historiadores musicólogos que direcionaram sua análise sobre a temática da música popular.
Entre estes destaco a produção historiográfica de José Ramos Tinhorão, que fez toda uma gama de obras a esse respeito, resgatando a história da música popular desde os princípios da colonização brasileira. Neste estudo, o enfoque central será feito sobre a obra: História Social da Música Popular Brasileira.
Neste livro, o autor discute a formação dos principais gêneros musicais populares e seu desenvolvimento na sociedade brasileira desde o período colonial até a década de 80 do século XX.
Mas concentramos aqui a abordagem que vai desde o final do século XIX até a época dos anos 30. Em sua visão da História Social, este autor vem suscitar o momento histórico da transformação socioeconômica do Brasil durante o ciclo do café no sudeste do país, dizendo que nesta fase houve uma “multiplicação de obras e negócios” que ao implicar na divisão do trabalho, ia alterar a simplicidade do quadro social herdado da colônia e do primeiro reinado. E isso se traduzia no aparecimento, “ao lado da moderna figura do operário industrial [...], das camadas algo difusas dos pequenos funcionários de serviços públicos [...]”. (TINHORÃO, 1990, p.152)
Este quadro social reflete a formação das novas classes sociais da capital da República, decorrentes de uma urbanização ligada a novas perspectivas industriais e capitalistas da divisão do trabalho e dos servidores públicos e burocráticos. Dentre estas divisões de classes, as elites burguesas contavam com formas de expressão cultural e de reuniões para lazer em clubes e bailes luxuosos nas salas de concerto, mas aos pequenos burocratas e funcionários, suas formas de lazer estavam concentradas em “[...] reuniões e bailes nas salas de visitas, ao som da música mais comodamente posta ao seu alcance: a dos tocadores de valsas, polcas, schottisches e mazurcas.” (TINHORÃO, 1990, p.153) Esta era a melhor forma encontrada naquele sistema de relações sociais, para se localizarem num espaço próprio de participação e de interação social. Ainda assim, como diz o autor, “E por serem bailes modestos, <> receberam logo o nome depreciativo de forrobodó, maxixe ou xinfrim [...]”. (TINHORÃO, 1990, p.153)
Nestes ambientes desabrochavam os músicos chorões, identificando pelo nome de “choro” sua forma de cantar em serestas de lamentos e romantismo. Estas aconteciam em “festas simples onde imperava a solidariedade, a alegria espontânea, a hospitalidade, a comunhão de ideais e a uniformidade da vida.” (TINHORÃO, 1990, p.154)

Era uma época, em fins do século XIX, onde o sucesso de uma música ou de seus autores e interpretes dependia do reconhecimento público, da divulgação boca-a-boca e seu retorno financeiro dependia da venda de partituras e contratos eventuais para festas e bailes.
Percebe-se aqui que apesar da população brasileira ainda não ter desenvolvido o sentimento de nacionalismo e de identidade cultural, em virtude de sua formação diversificada em etnias e da inserção de grandes contingentes imigratórios de diversas partes do mundo, esta integração cultural tomou conta das relações de vivência e luta das camadas populares para se firmarem como partícipes da ação social do país.
Os grupos de serenata e chorões sobreviveram dentro das tradicionais reuniões familiares até a década de 1920, quando desde então a música enveredou por um novo caminho de produção e divulgação: a indústria fonográfica.
Comenta Tinhorão que após a 1ª Guerra Mundial abriram-se novos campos de interferência cultural no Brasil, provindos da ascensão norte americana ao controle do capitalismo mundial, ocasionando a introdução no Brasil dos modelos de cultura norte americanos assim como a importação de seus produtos comerciais e da organização de seu modelo industrial. Dentro deste contexto, desenvolvia-se a perspectiva da produção comercial da música, que passava a ter valor mercadológico, influenciando diretamente na profissionalização dos artistas e na produção e escolha de suas criações musicais, que neste caso, deviam estar direcionadas ao produto mais aceito pelos consumidores. Foi neste ensejo que o samba começou a ser notado como forma musical propícia a este mercado e viria emergir “como primeira e mais avassaladora contribuição das classes mais baixas, enquanto a classe média já dividia seu interesse com a música dos jazz-bands imitados dos norte-americanos.” (TINHORÃO, 1990, p.159)
O samba, surgido em reuniões populares nas casas de Tias Baianas do centro do Rio de Janeiro, agregava características de batuques dos terreiros de candomblé assim como das danças de umbigadas. Este ritmo era acompanhado por palmas e instrumentos como o cavaquinho, o pandeiro e o violão, tendo como base da canção a letra compassada dos versos que seguiam a batida da percussão, com um refrão repetitivo entre as estrofes.
Apesar do samba ser bem aceito entre as camadas populares, a princípio do século XX, os sambistas sofriam “uma perseguição sistemática contra as rodas de batuques da Festa da Penha, ou dos pontos de reunião de capoeiras especialistas em pernadas ao som de estribilhos marcados por palmas.” (TINHORÃO, 1990, p.218)
Para escaparem do aparato policial, os sambistas passaram a reunir-se nas “casas de famílias de baianos bem sucedidos” (TINHORÃO, 1990, p. 218) como a casa de Tia Ciata. Nestes ambientes havia uma divisão clara dos espaços destinados a cada camada social, assim na sala de entrada:
“ficavam os mais velhos e bem sucedidos que constituíam o partido alto da comunidade, cultivavam versos improvisados entre ponteados de violão lembrando sambas sertanejos de roda, a viola; os mais novos, já urbanizados, tiravam seu samba corrido cantando em coro na sala de jantar, aos fundos, e no fundo do quintal os brabos amantes da capoeira e da pernada, divertiam-se em rodas de batucada ao ritmo de estribilhos marcados por palmas e percussão.” (TINHORÃO, 1990, p. 219)
As produções musicais que surgiam nestes ambientes populares aos poucos iam ganhando espaço em outras áreas da cultura carioca, como nos grupos carnavalescos, que lançavam suas composições em forma de marcha nos desfiles de Carnaval, ou também eram apresentadas nos teatros de revista, como afirma Tinhorão: “ora a revista lançava a música para o sucesso em todo o país, ora o sucesso nacional de uma música era aproveitado para atrair o público para o teatro.” (TINHORÃO, 1990, p. 188)
Notamos então o intercâmbio das relações culturais entre as classes urbanas cariocas, que mesmo sob o espectro do preconceito, da exclusão social e das injustiças na exploração do trabalho, ainda assim havia uma comunicação cultural entre os diferentes substratos sociais, fruto do “cadinho” de etnias e culturas que compuseram a nação.
A respeito da produção das camadas populares acrescenta o autor: “viviam, no mesmo período histórico, um dinâmico processo de grande riqueza criativa. Levados pela natureza excludente da economia a viver por si, os componentes das camadas mais pobres [...] passaram a organizar-se culturalmente para si.” (TINHORÃO, 1990, p. 263). Isto retrata o laboratório de experiências culturais em que se transformou a música brasileira, contribuindo para a integração de seus entes e para a construção de sua nacionalidade.
Desde os anos 20 a sociedade brasileira começou a enxergar com outros olhos a música popular, que nas palavras de Tinhorão significava que “A música dos <<nossos negros>> ou do <- como então as classes mais altas diziam valia pelo exotismo, pelo cultivo dos <; que se recebia como <>; [...]”. (TINHORÃO, 1990, p. 223). Assim a música popular alcançava novos ares na sociedade brasileira, que era influenciada pela imagem passada pelo jazz norte americano, feita por negros e bem aceita pelas elites, como símbolo do perfil excêntrico afro-descendente.
Este autor trabalha com fontes de periódicos da Primeira República bem como registros literários e musicais de autores desta época e da historiografia do século XX.
Outro autor que trabalhou o tema da musicalidade foi Luiz Tatit em sua obra: O século da canção, de 2004, com uma abordagem direcionada a sua formação acadêmica como músico e linguista, concentrando-se em aspectos da formação da estrutura da canção popular no Brasil, fazendo um percurso histórico que vai desde o final do século XIX até os anos de 1990. Em seu livro trabalha com as tendências melódicas e orais que compuseram a canção popular, como sendo a expressão cultural de “Toda a sociedade brasileira – letrada ou não letrada, prestigiada ou desprestigiada, profissional ou amadora – atuou neste delineamento de perfil musical que, no final do século, consagrou-se como um dos mais fecundos do planeta.” (TATIT, 2004, p. 12)
Afirma Tatit que o mote balizador da construção da música brasileira, desde a época colonial, sempre foi a percussão e a oralidade, engendrando a atuação do corpo e da voz dos artistas. (TATIT, 2004, p. 21). Dentre os ritmos populares que se desenvolveram em princípios do século XX estavam as modinhas que “além de romper as fronteiras nacionais e alcançar enorme êxito em terras portuguesas, chega a se confundir com árias de ópera no domínio erudito europeu.” (TATIT, 2004, p. 23).
Por outro lado estavam os batuques negros que dirigidos em grande parte por um coro de vozes em rodas de danças voluptuosas eram voltados ao lazer e a representações de cunho religioso – “canto responsorial” – ou do cotidiano sofrido do samba que ali nascia. Tatit acrescenta que estas reuniões de rodas de samba e capoeira na verdade representavam uma busca dos ex-escravos em fundar “uma identidade no novo quadro social” e “poder se agrupar num espaço próprio e renovar seus cultos aos santos [...] suas danças ancestrais.” (TATIT, 2004, p. 31). Entretanto este grupo em especial sofria forte preconceito das elites que se pautavam ainda no ideário positivista, vendo nestas expressões populares algo de profano, marginal e primitivo que, portanto deveria ser reprimido como realmente fora feito pelos órgãos policiais. Por esta razão tais grupos viviam a esconder suas práticas nos quintais das casas de Tias Baianas, como já descrito por Tinhorão em A História Social da Música Popular Brasileira.
As músicas que nasciam destes encontros festivos estabeleciam uma “harmonia ética e social”, mas prescindiam de registro; era algo espontâneo, feito ao calor do momento, com a contribuição de vários autores e se tornavam conhecidas pela repetição e divulgação de seus participantes. Mas esta relação descompromissada com a música viria a ser “abalada por um fator externo ao seu cotidiano: a chegada das maquinas de gravação ao Rio de Janeiro.” (TATIT, 2004, p. 34)
Nesta primeira fase de consolidação da indústria fonográfica no Brasil ficou notável o processo de triagem musical que teria um “caráter de intervenção cultural e, portanto, de demarcação histórica” (TATIT, 2004, p. 92) em virtude das escolhas e da “seleção de valores, considerados respectivamente desejáveis e indesejáveis” (TATIT, 2004, p. 93) àquele grupo de empresários da música.
Assim delineava-se um novo campo de possibilidades aos artistas populares que até aquele momento dependiam do público ou do teatro de revistas para divulgarem suas criações.
Na primeira triagem, do início do século XX, era preciso encontrar canções que se adaptassem ao incipiente processo de gravação e ao gosto do consumidor e que pudessem gerar os lucros esperados por este mercado. Foram então descartados os sons folclóricos, religiosos e de lutas de capoeiras, assim como os sons instrumentais eruditos, que não eram possíveis de serem reproduzidos naquele tipo de gravação. Era preciso localizar um estilo musical que produzisse um “bom desempenho vocal” (TATIT, 2004, p. 94), o que foi conseguido, como prova de teste, com os sambas de partido-alto que respondiam ao que era necessário ao momento: “centralidade na melodia e letra emitida pela voz e participação cuidadosamente controlada, em termos de volume, ritmo e densidade timbrística, de instrumentos de corda e de percussão.” (TATIT, 2004, p. 95)
Numa segunda triagem outros gêneros entraram no contexto: “canções pseudo-sertanejas”, “grupos regionais”, “canções de encontro” para os Carnavais e músicas de “meio de ano”. (TATIT, 2004, p. 97)
Dentre os artistas populares em destaque neste período estava Sinhô que “talvez tenha sido o primeiro cancionista que compôs com o objetivo de fazer sucesso” (TATIT, 2004, p. 96) com o samba.
Desenvolvia-se então a característica da nova geração de músicos populares, os profissionais em busca do sucesso, aqueles que melhor respondessem aos pré-requisitos da gravação e que direcionassem sua criação ao “fator identidade” (TATIT, 2004, p. 97) que pudesse aproximar o público (sujeito) de seu objeto de expressão (o cotidiano).
Esta mudança histórica na forma de produção musical “Além de despertar o espírito competitivo de seus prováveis parceiros, o violonista abriria uma nova temporada de polemicas que, [...] contribuiu de modo decisivo para a afirmação da linguagem cancional.” (TATIT, 2004, p. 122). Era o nascimento da época da “canção como recado”, que se traduzia em polêmicas de desafetos entre músicos que respondiam através de canções à disputa lançada. A presença deste elemento central, a fala nas canções, fez com que os artistas trabalhassem mais na elaboração de letras que se tornassem atraentes ao público e a seu consumo, o que não parecia simples de se obter em princípios do século XX, como vemos no caso de Pixinguinha que compunha incríveis obras instrumentais no chôro, mas carecia de letristas que complementassem com boa letra suas melodias e, conforme afirma Tatit, estes “eram raros e só surgiriam em grande escala um pouco depois, já no tempo de Noel Rosa.” (TATIT, 2004, p. 125)

Uma nova fase musical se apresentaria no contexto social do Brasil, agora próxima aos anos de 1930: a chegada do rádio que se tornaria a grande fonte midiática de formação da opinião pública e consequente meio de divulgação musical, por isso os artistas desta época “entregavam-se a um verdadeiro artesanato cancional à procura de um modelo fecundo de criação. Estavam solucionando seus problemas pessoais e, de passagem, inaugurando a maior expressão artística de consumo do país.” (TATIT, 2004, p. 146)
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao governo do país, em 1930, houve o desenvolvimento de um projeto político que abarcasse a “raiz musical brasileira” (TATIT, 2004, p. 147), em prol do estabelecimento de “uma ideologia nacionalista” (TATIT, 2004, p. 147), no qual o samba constituiria a expressão máxima da nação dentro do patamar político de intenções centralizadoras do nacionalismo.
Nas palavras de Tatit “o samba funcionaria como uma marca de brasilidade – muito bem depreendida pelos ideólogos de Getúlio Vargas que ensaiaram uma ampla manipulação popular através de seus artistas [...]” (TATIT, 2004, p. 149)
Este acabou sendo o passo fundamental na consolidação do samba como ícone da representação nacional, pois tal ritmo além de representar a voz do povo, tinha uma elasticidade tonal incrível, que condizia com o que era esperado pelos empresários da fonografia e pelos interesses políticos em voga. O samba podia ser desacelerado, valorizando a fala e a melodia como no samba-canção, ou acelerado nas batidas da percussão e no coro de vozes, chegando ao samba carnavalesco. (TATIT, 2004, p. 153)
Desde então o samba como interface da cultura popular alcançou o patamar de símbolo nacional, agregando valores de diferentes etnias e classes além de atender as expectativas do governo como representativo do espírito nacionalista. 
São fontes de pesquisa deste autor os periódicos e artigos de músicos do inicio do século XX, como também partituras e canções e ainda o complemento bibliográfico de autores que se debruçaram sobre o tema da musicalidade popular brasileira.
O trabalho redigido pelo autor Henrique Foréis, o Almirante, é um pouco diferente das obras aqui revisitadas, por tratar-se de uma obra de cunho pessoal, feita em primeira pessoa, relatando vivências e experiências do próprio músico e autor durante o período do século XX em que os primeiros cancionistas populares procuraram firmar-se como artistas nacionais evolvidos entre o profissionalismo de sua arte e suas fortes tendências boêmias e descompromissadas. Em seu livro, No Tempo de Noel Rosa, de 1977, Almirante retrata o nascimento do samba através do uso de fontes históricas que ele próprio colecionou durante o tempo e por participar muitas vezes da criação destas mesmas fontes ou por compartilhar de alguma forma deste contexto. São fontes de partituras, letras, cartas deixadas por artistas, dossiês de intelectuais, gravações originais, fotos, periódicos, entre outras.
Almirante parte da análise de registros históricos que suscitam a origem do samba, investigando nestes registros o significado que lhe era atribuído, como primeiramente “dança de origem africana”, conforme atestado por Câmara Cascudo em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, de 1954. (ALMIRANTE, 1977, p. 21). Depois descreve as formas de convivência dos grupos que deram forma ao samba, remetendo-se inclusive aos encontros na Casa de Tia Ciata, que deram origem ao primeiro samba gravado, em 1917, por Donga – Pelo Telefone, e relatando a forma insípida de melodia e escrita desta composição, já que seus compositores não eram músicos profissionais e por isso faziam música de ouvido, sem estrutura formal. Mas devido ao sucesso deste lançamento, criou-se uma polêmica a cerca de sua autoria, pois vários outros músicos também requisitavam sua participação neste samba.
Nesta trajetória musical, Almirante comenta a experiência folclórica do Grupo Caxangá em marchas carnavalescas e da introdução do grupo dos Oito Batutas, liderados por Pixinguinha, nos circuitos culturais da capital carioca e posteriormente nos cafés de Paris. (ALMIRANTE, 1977, p. 30).  Mas a grande contribuição de Almirante neste livro é referente à sua amizade com Noel Rosa, iniciada em 1923, quando ainda jovens fundaram o Bando Tangarás, perto de 1926, devido ao crescente interesse público por temas regionais, quando se puseram a gravar solos de violão e canções típicas com a ajuda primorosa de Noel Rosa nestas composições. (ALMIRANTE, 1977, p. 43)
Desde então, Almirante passa a contar toda a história familiar e musical de Noel Rosa, sempre contrapondo relatos de amigos próximos a ele, com a análise de suas canções. Nestes relatos o autor destaca o grande dom artístico de Noel Rosa como músico violonista e exímio letrista que expressava o valor e a sutileza do cotidiano dos morros cariocas em suas criações. Foi neste ensejo que Noel lançou a primeira mensagem musical de devoção bairrista a sua gente da Vila Isabel: “Na Pavuna”, despertando a onda de disputas musicais bairristas que seria uma característica dos sambistas dos morros desde então. (ALMIRANTE, 1977, p. 71)

Noel alcançou sucesso entre o público e o mercado musical quando lançou o samba “Com que roupa”, em 1927, falando das dificuldades do sambista em colocar-se dignamente no quadro social da elite preconceituosa e classista. Em 1932, Noel assumia seu primeiro trabalho fixo como contrarregra do Programa Casé, na Rádio Phillips, este era o momento em que se consolidava no Brasil a “Era do Rádio” como principal meio de divulgação de notícias e de variedades, entre elas os programas musicais ao vivo. No Programa Casé, Noel fazia um pouco de tudo e substituía as ausências de convidados com improvisos de anedotas cômicas que despertou sua popularidade, além de abrir campo para a divulgação de suas composições. (ALMIRANTE, 1977, p. 96 e 97)

A vida de Noel Rosa decorria entre diversos percalços, em poucas palavras fora uma vida simples, desregrada e típica de boêmio: entre bares, bebidas, serestas e amores de cabaré, além do sério problema de saúde que teve de carregar, a tuberculose, que o debilitava frequentemente, levando-o a diversas internações, que por fim não resultaram em melhoras significativas, uma vez que ele sempre voltava àquela vida noturna que era seu maior prazer, e muito por este motivo, sua vida tenha durado tão pouco, 26 anos, o que, no entanto, não pode ser vista como sendo pouco significativa, ao contrário, representou um imenso legado a música brasileira e à própria crônica social da vida carioca dos anos 30, e como diria o humorista Grijó Sobrinho, em 1934, “- Noel, o filósofo do samba!” (ALMIRANTE, 1977, p. 119) deixou sua marca e sua história de amor pela música e pelo povo simples como fonte de inspiração para toda uma geração posterior de sambistas e artistas da MPB.
Na busca de fontes históricas referentes ao tema da musicalidade popular, encontrei em periódicos do início do século XX, artigos jornalísticos que abordavam a temática sob a vertente do pensamento elitista da época, que via na expressão musical um significado de esplendor puro da beleza estética e por isso digna somente da perfeição de formas harmônicas do lirismo europeizado.
Por outro lado, busquei também me aproximar da expressão popular da musica brasileira, que durante este período ganhava espaço na sociedade carioca, revelando artistas que traduziam o gosto e a peculiaridade das camadas populares. Para tanto, enfoquei a análise em fontes da lírica de canções de três artistas em especial: Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha e Noel Rosa, em seus diferentes momentos históricos.

Fontes de Periódicos
A respeito dos periódicos pesquisados na Biblioteca Nacional (RJ) em janeiro de 2012, foram localizadas várias publicações do início do século XX, e em busca de referências quanto à cultura popular e à musicalidade carioca, foram selecionados dois periódicos: A revista Kosmos, mensalmente publicada no Rio de Janeiro, de 1904 a 1920, reunia artigos de generalidades relativas à arte, ciência, história e literatura, contemplando discussões sobre os problemas nacionais e municipais. O segundo periódico é a Revista América Latina, de publicação mensal, desde 1914 a 1921, com temáticas de abordagem científica, literária, musical, artística e sociológica, com autores de origem intelectualizada que levantavam discussões críticas e formadoras de opiniões dos leitores.  (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL)

a)    Revista Kosmos, Rio de Janeiro, fevereiro de 1907.
Artigo: Tradições, de Mário Pederneiras, páginas 64 a 66.
Disponível no Arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte: Primária
Este artigo foi publicado na semana posterior ao Carnaval de 1907. Seu autor assume a fala de uma mulher que acompanha um velho senhor carioca no Passeio Público, à beira mar, durante a última noite de Carnaval.
Nesta crônica são descritas as transformações pelas quais passava o Rio de Janeiro desde a Reforma Urbana, começada em 1904, como vemos na passagem: “Que cousa linda já viste, que este povo em festa, feliz e despreocupado, percorrendo esta encantadora rua larga e iluminada?” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 64).  Explicando que desde então “a multidão não se comprime, não se esmaga, não se fere, como nos detestáveis apertos da tua celebrada rua do Ouvidor.” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 64); fazendo aqui referencias ao antigo circuito carnavalesco do Centro, de ruas apertadas, sujas, sufocantes.
Também há referencias a mudanças na moda das vestimentas, onde as mulheres abandonavam a “sêda custosa dos grandes dias” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 64) e os homens livravam-se das sobrecasacas e das cartolas, incompatíveis com os verões cariocas.
Este autor nos remete ao saudosismo dos luxuosos bailes das Sociedades Carnavalescas, com seu “desperdício fabuloso de lantejoulas” e “daquela luxuriosa exposição de Carne” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 64). Fala também da falta que faz os cordões do Zé Pereira, que trazia o povo em alegria atrás da música “com aquelle incançável zabumbar alegre e forte”   (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 64) (sic), tradição esta que fora substituída pela “infindável série de nossos melancólicos cordões de todas as cores, de todos os nomes” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 65). Estes cordões eram o prenúncio do que viria a se formar desde então: as primeiras escolas de samba cariocas.
Mário Pederneiras nos traz ainda a lembrança da graça dos antigos “diabinhos”, que impedidos de circular nos carnavais, deram lugar a “palhaçada grotesca destes clowns de agora” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 65). O autor finaliza sua crônica melancolicamente com: “Em compensação, tu hoje tens ..., tu tens..., tens o..., tens a Avenida, o fon-fon dos automóveis, a luz elétrica, o bom calçamento, as ruas largas, enfim todo esse sumptuoso Carnaval que  estamos apreciando” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 65), sem no entanto deixar de revelar a tristeza da perda significativa das tradições dos antigos carnavais em nome do progresso. E despede-se, na pessoa da personagem, que diz: “Voce me conhece? Eu sou a Folia.” (PEDERNEIRAIS, 1907, p. 65).
Remetendo-nos ao contexto histórico descrito nesta fonte, vemos a posição saudosista do autor quanto à tradição popular do Carnaval, desorganizado e alegre pelas ruas centrais do Rio de Janeiro, mas aponta para o significativo valor transferido pelas elites à Reforma Urbana das avenidas centrais e pelo expurgo das camadas populares desta região, que na visão do historiador Nicolau Sevcenko, em História da Vida Privada no Brasil, dizia que: “Na verdade, [como constata João do Rio], surgiam dois Rios de Janeiro frutos da reforma, o da Regeneração, da nova norma urbanística, racional e técnica, e o outro, o labirinto das malocas, do desemprego compulsório e ‘livre de todas as leis’”.   (in REIS, 1999, p. 241).
Autoria de Mário Veloso Paranhos Pederneiras (Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1867 — Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de 1915), foi poeta  e colaborador de A Gazeta de Notícias e da Revista Fon Fon. (http://www.consciencia.org/mario-pederneiras).
b)    Revista Kosmos, Rio de Janeiro, fevereiro de 1907.
Artigo: O Carnaval no Rio, de Américo Fluminense, páginas 79 a 83.
Disponível no Arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte: Primária.
Na mesma Revista Kosmos, de fevereiro de 1907, outro cronista: Américo Fluminense relembra a história dos Carnavais brasileiros desde os “tempos coloniais”, começando com a frase: “O Carnaval dos nossos antepassados era o entrudo.” “Já nos tempos coloniaes jogavam-no desembaraçadamente. As máscaras eram tidas como prejudiciaes á ordem publica, serviam para ciladas, para os levantes e crimes.” (sic) (FLUMINENSE, 1907, p. 79). Por esta razão fora duramente reprimido pelos órgãos públicos do governo, que procuravam atribuir-lhe o estigma da barbárie marginal dos negros e pobres, e, portanto era necessário proibi-lo.
Entretanto, nosso autor não deixa de afirmar que “Por essas prohibições o entrudo constituiu-se o mais aprazível folguedo carnavalesco.” (sic) (FLUMINENSE, 1907, p. 79), com suas atividades de banhos à força, seguidos da cobertura de farinha das vítimas. Também havia os ataques aos transeuntes de limões de cheiro e de sua sarcástica ridicularização.
De outro lado, as elites reuniam-se em festividades nas Sociedades Carnavalescas de clubes luxuosos, mas ainda assim, reclamavam às autoridades dos perigos da violência popularesca do entrudo, que sendo proibido, desde 1854, levaria às ruas o desfile de mascarados, em carros alegóricos suntuosos, dignos da alta classe.
Conta-nos também este autor da história das origens dos cordões do Zé Pereira, que com sua procissão de foliões, seguindo a banda musical, anunciavam a chegada do Rei Momo, nos sábados de Carnaval. Neste ponto, o autor faz um reflexo sobre as mudanças estéticas da moda parisiense, introduzida no Brasil e que influenciava nas tendências das novas criações de fantasias carnavalescas. Além disto, são apontados ainda outros costumes acerca das festas de Carnaval, como o uso de lança perfumes, que de início eram apenas atirados em forma de brincadeira, mas aos poucos tornavam-se manifestações de “impulsos da perversidade, queimando roupas, chamuscando braços e colos.” (FLUMINENSE, 1907, p. 81). E sobre as reuniões carnavalescas em clubes, afirmava que ano após ano “Desappareciam uns, surgiam outros.” (FLUMINENSE, 1907, p. 81), demonstrando sua inconstante incidência nas esferas da sociedade carioca.
Mas no âmbito popular o que prevalecia mesmo era o costume do entrudo, que a este respeito, Américo afirmava: “De mais, parece que o entrudo, apesar de sua bruteza, das moléstias que provocava e dos conflitos que despertava, afinava-se perfeitamente com a nossa educação, porque muita gente boa tinha-lhe quéda.” (sic) (FLUMINENSE, 1907, p. 82), incluindo-se aí, o Imperador D. Pedro II, participante dos folguedos carnavalescos de Petrópolis. 
Assim, mesmo diante das proibições da participação popular dos festejos de rua, “Comtudo o Carnaval resistia, brilhava com a riqueza dos prestígios, attrahia á cidade a grande massa da população.” (sic) (FLUMINENSE, 1907, p. 83).
Nesta crônica de Américo Fluminense, vemos claramente um retrato histórico dos costumes carnavalescos do Rio de Janeiro, desde épocas remotas da colônia, fazendo referencias às manifestações populares e às elitistas e sobre as formas de controle policial destas manifestações populares para proteger as camadas mais abastadas da população das perversas brincadeiras dos foliões das ruas. Entretanto, mesmo diante das proibições do entrudo, esta ainda prevalecia em meados do inicio do século XX como parte tradicional e mais aprazível dos festejos do Carnaval carioca.
Autoria de Américo Fluminense que foi um dos pseudônimos do escritor Gonzaga Duque. Luiz Gonzaga Duque Estrada (RJ 1863 — RJ, 1911) foi um jornalista, crítico de arte, pintor e escritor.   Atuou na imprensa carioca escrevendo em jornais e revistas importantes da cidade: O Paiz, A Semana, Diário de Notícias, Folha Popular,  Kósmos  e Fonfon, entre outros. (http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/literatura/gonzaga_duque/biografia.htm)
c)    Revista América Latina, Rio de Janeiro, agosto de 1919.
Artigo: O actual ambiente musical do Brasil, de Ywan d’Hunac, páginas 98 a 100. Disponível no Arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte: Primária.
O autor inicia seu texto dizendo que “O Brasil necessita de uma vasta prophylaxia.” (HUNAC, 1919, p. 98), ou seja, necessitava de uma cura urgente aos males sociais, desde o âmbito da saúde pública até o da saúde moral e cultural. Ele faz um relato preconceituoso e classista acerca da musica nacional, dizendo que a formação cultural do povo brasileiro esteve fadada ao “estado primitivo e selvagem” das “negregancias endêmicas do nosso solo” (HUNAC, 1919, p. 98) e, portanto isto se reflete na produção musical brasileira, onde “os requebros lascivos do maxixe, o batuque bárbaro do tango, a sem saboria indigesta da valsa nacional, não devem preoccupar exclusivamente a attenção do nosso povo, nem se transformarem em músicas typicas de nossa nacionalidade.” (sic) (HUNAC, 1919, p. 98).
Assim, Ywan d’Hunac deixa claro a desqualificação destes ritmos musicais que tanto apraziam as camadas populares, que neste caso não podiam ser consideradas formas artísticas, ao contrário, como afirmava o autor, “é ruído com rythmo esdruxulo” (HUNAC, 1919, p. 99), que se afasta do significado da pura arte, de harmonias perfeitas e belas, como verifica-se na arte dos mestres europeus citados para exemplificar o real valor da música, como em Chopin, Debussy, Beethoven, Verdi e Wagner.
Este autor apresenta então, como profilaxia do problema brasileiro de cultura, a educação estética de seu povo, a fim de que pudessem distinguir o que seria verdadeiramente belo na musica e descartar o que seria deplorável, que neste caso, recaía sobre a música popular.
Neste sentido, afirmava Ywan: “O maxixe e o tango são a pimenta malagueta da musica; ninguém com estomago equilibrado e sadio irá alimentar-se exclusivamente de pimentas; seria um excesso deplorável a que a natureza castigaria com severidade.” (HUNAC, 1919, p. 99).
Entretanto, hoje sabemos que se enganava em grande parte este autor, ao descartar os ritmos populares da caracterização da musicalidade nacional, que crescia a passos largos tanto em aceitação entre a população brasileira, quanto na representação internacional da cultura brasileira.
A esse respeito, Ywan d’Hucan acrescentava que “A musica nacional, que ainda não existe, poderá vir a surgir um dia, com feitio próprio e originalidade, sem empréstimos forçados ás mais ínfimas camadas dos elementos heterogêneos que constituíram a nossa nacionalidade. ” (HUNAC, 1919, p. 99).
Dentre os autores do referencial teórico aqui estudado, José Ramos Tinhorão seria o primeiro a manifestar seu repúdio a esta visão preconceituosa do texto em pauta, uma vez que em suas obras, sempre privilegiou a cultura popular, heterogênea e mestiça, de instrumentos simples e musicalidade com tendência à oralidade, como a verdadeira face da identidade cultural e musical do Brasil.
Ywan d’Hunac finaliza seu texto dizendo: “Preciso é sanar o meio, educando o espírito do povo para as manifestações da verdadeira arte.” (HUNAC, 1919, p. 100).
Mas, ainda assim podemos questionar, se o Brasil não possuía música nacional, de onde surgiria a verdadeira arte proferida por este autor?
Não foram encontradas referências biográficas do autor.

d)    Revista América Latina, Rio de Janeiro, novembro de 1919.
Artigo: A Musica Brazileira, de Andrade Muricy, páginas 256 a 262. Disponível no Arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.
Tipo de fonte: Primária
Ao contrario do último autor da fonte acima analisada (Ywan d’Hunac), neste texto Andrade Muricy afirma que a música nacional brasileira carrega todo o valor de uma identidade nacional diversificada em termos de etnia e criativa em termos de harmonia e canção. E diz: “Por isso, o folk-lore musical de um povo é uma manifestação tão espontânea do gênio nacional quanto o folk-lore poético e o fabulario popular.” (sic) (MURICY, 1919, p. 256).
Este autor acrescenta que a formação da identidade cultural de uma nação é formada lentamente, compondo-se de elementos diferenciados de suas tradições e dos significados que se criam neste ambiente específico. E assim, completa a argumentação:
“O nosso caso é diverso, e mais complexo. No Brazil o elemento civilizador por excellencia, e a base da nação, é o aryano, o europeo. Material e intelectualmente mais forte ele subjugou o aborígene americano e importou, escravisando-o, o africano. Uma vez as trez raças defrontadas, lentamente o branco foi deixando transfundir no seu sangue o do negro e do indígena. E a raça nova vae se caldeando a nossos olhos, sensivelmente, irrecusavelmente, apezar dos preconceitos subsistentes.” (sic). (MURICY, 1919, p. 257).
Aqui há o real reconhecimento da canção nacional característica de seu povo heterógeno, dentro de uma exuberância rítmica e sensual e carregada emocionalmente nas palavras a fim de cativar o ouvinte. E foi justamente esta canção “bárbara” que viria a se tornar simbólica na representação da cultura nacional, sem cair “no artificialismo, ridículo, na imitação desprezível, na burlesco snobismo.” (sic) (MURICY, 1919, p. 258).
Andrade Muricy também ressalta a necessidade de tornar legítimo esse “tropicalismo” brasileiro transferido à essência da “alta musica instrumental e vocal” (MURICY, 1919, p. 260), como afirma ter feito o maestro Carlos Gomes com a originalidade de sua obra musical, que na visão do autor, aproximava-se da mais pura expressão natural desta terra, sendo “evocativa como nossa paisagem tropical no crepúsculo” (MURICY, 1919, p. 262).
Tendo como exemplo da excelência criativa dos brasileiros a obra de Carlos Gomes, este autor projetava ao futuro uma perspectiva de nacionalidade musical da mais alta qualidade e enfocada na consciência de nossa natureza tropical e envolvente.
Nesta análise percebemos que o autor mesmo sem tratar objetivamente da vertente da música popular, ainda assim, proclama uma arte musical nacionalizada dentro do contexto da diversidade étnica de nosso povo. Exalta, portanto, a cultura brasileira proveniente de elementos naturais e folclóricos de suma importância na formação da identidade cultural do país.
Sobre o autor: José Cândido de Andrade Muricy (Curitiba, em 1895  Rio de Janeiro, 1984) foi importante crítico literário e musical e autor de obras de ficção e de ensaios brasileiros. Ele foi presidente da Academia Brasileira de Música e membro do Conselho Federal de Cultura.  (http://www.abmusica.org.br/html/fundador/fundador131.html)

Fontes Musicais
a)                                 Música: Gaúcho (Corta Jaca)
Autoria: Francisca Edwiges Neves Gonzaga
Letra: Tito Martins e Bandeira Gouveia
Composição: 1895
Tipo de fonte: Primária
Chiquinha Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro em 17/10/1847, falecendo na mesma cidade em 28/02/1935. Foi compositora, instrumentista e regente. Destaca-se por ter sido a maior personalidade feminina da história da música popular brasileira e uma das maiores representantes da luta pelas liberdades do país, promotora da nacionalização musical, primeira maestrina, autora da primeira canção carnavalesca, em 1899 – Ó Abre Alas, primeira pianista de choro, introdutora da música popular nos salões elegantes, fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais. (www.chiquinhagonzaga.com.br)
                            Análise musical: A canção Gaúcho, ou Corta Jaca, teve harmonia composta por Chiquinha Gonzaga em 1895, com letra de autoria de Tito Martins e Bandeira Gouveia. Esta música tem base melódica de piano e violino, sua letra foi adicionada posteriormente em 1904, para ser cantada na revista Lá e Fá.
                            É um tango amaxixado, de cadência voluptuosa, sugestionando a sensualidade dos movimentos. Por este motivo foi bem aceito nos circuitos populares de salões e teatros, mas era impedido de circular nos recintos da alta classe, que atribuía ao ritmo do tango e do maxixe uma tendência à barbárie, à música revolucionária, à características impuras da miscigenação étnica e cultural.
                            Sua letra retrata o contexto social de um “mundo de misérias”, o qual salva-se quem dele tira vantagens. Fala da dança voluptuosa que encerra suas notas, e dos requebros que nem mesmo damas de alta classe podem se eximir.
                            Mas um fato decisivo ocorreu em 1914 no salão de eventos do Palácio do Catete, sede administrativa do governo federal, no Rio de Janeiro. Nesta ocasião a Sra. 1ª dama Nair de Teffé executou ao piano esta música, para espanto de todos no auditório, e provocando uma crise política, representando uma significativa quebra de tabus referente a discriminação da classe alta frente à música popular brasileira.
 b)                                 Música: Samba de Fato
Autoria: Pixinguinha e Cícero de Almeida
Composição: 1932
Tipo de fonte: Primária
Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho) RJ, 23/04/1898 – RJ, 17/02/1973, era filho de flautista respeitado, e tomou gosto pela música desde cedo quando ouvia as serenatas promovidas em sua casa com os ritmos da moda: polcas, valsas e lundus; assim cresceu “apurando o ouvido, o dedilhado e a criatividade”  (MEDAGLIA, 1970, p. 3) musical que o levou a seguir o caminho de instrumentista, quando aos 14 anos “foi contratado para o conjunto da Concha, casa de chope da Lapa” (MEDAGLIA, 1970, p. 3). Aos poucos foi criando fama como exímio flautista pela vida noturna carioca, recebendo diversos “convites para tocar em festas, teatros, clubes...”. (MEDAGLIA, 1970, p. 4)
Em épocas de Carnaval abandonava os compromissos profissionais para dedicar-se ao bloco chamado Caxangá, que se apresentava nestes folguedos.
Por volta de 1919, em virtude da terrível gripe espanhola que assolara o Rio de Janeiro, houve falta de músicos para tocar em cinemas e teatros. Deste fato, Pixinguinha fora chamado por Isaac Frankel para organizar uma banda que tocasse na sala de espera do Cine Palais (local que era reduto da alta classe carioca). Daí surgia os Oito Batutas, “apresentados como orquestra típica: de maxixes, lundus, corta-jacas, batuques, cateretês, toadas sertanejas e tanginhos. A novidade daquela música intensa e animada fêz vibrar o público.” (MEDAGLIA, 1970, p. 4).
Assim abria-se uma importante porta de entrada da música popular nos circuitos cultos e refinados da alta burguesia carioca, fazendo com que aos poucos esta música provinda de ambientes negros e populares alcançasse reconhecimento e aceitação das elites e posteriormente entrasse na cena cultural européia, como acontecido por ocasião da visita dos reis da Bélgica ao Brasil, em 1920, quando os Oito Batutas foram chamados pelo presidente da República a se apresentarem em recepção oficial. Logo após seguiram em excursão pelo Sudeste do Brasil, chamando a atenção do empresário Arnaldo Guinle firmaria contratos de apresentações do grupo em cafés dançantes de Paris, para onde partiram em 1922. Diz-se que “o público Frances entusiasmou-se com o chorinho e samba ainda amaxixado dos Batutas” (MEDAGLIA, 1970, p. 7). Após sete meses de trabalho sério, o grupo retornava ao Brasil, cheio de novidades e com saudades da boemia festiva do carioca, junto deles traziam novos instrumentos e tendências do Jazz e do Fox trote, muito em voga na Europa àquele momento e que seriam seus divulgadores no Brasil.
Pixinguinha seguiu sua caminhada musical com muita originalidade, tornando-se o “Pai do Chorinho”, mas teve de ceder aos novos requisitos do mercado fonográfico que se consolidava no Brasil, esta nova empresa queria profissionais que rendessem valores no mercado musical, e sendo assim, Pixinguinha teve de se adaptar as novas exigências e deixar de lado, ao menos em parte, a brincadeira de tocar serestas. (MEDAGLIA, 1970, p. 11)
Análise musical: Esta canção não representa a característica comum ao gênero musical de Pixinguinha: o Choro, entretanto foi selecionada, pois revela questões sobre as origens do samba carioca.
Pixinguinha e seu parceiro Cícero de Almeida falam, nesta canção, de um samba de partido alto feito por “mulato filho de baiana”, fazendo referencia aos encontros populares e musicais da casa de Tia Ciata. Na cadencia deste samba notamos a presença do estilo musical afro-brasileiro, com a repetição de versos no estribilho, compassado pela batida de palmas.
A letra segue falando que o samba é tão bom que envolve a “Gente rica de Copacabana / Dotor formado de anés de ouro / Branca cheirosa de cabelo louro”. Acrescenta que o samba é uma forma de expressão livre, mas que agrega gente de boa índole, “porque no samba nego tem patente”, feito para festejar a reunião de pessoas em danças e batuques que se estendem até o sol raiar.
Este é o registro da alma do samba: reunião inter-racial, livre de preconceitos, de diferenças de classes, de desrespeito. É a ascensão da esfera popular na cultura estética das elites, que por fim vem confirmar a perspectiva da Circularidade Cultural, que vem a ser o objeto de estudo deste trabalho.
c)                                  Música: Filosofia
Autoria: Noel Rosa
Composição: 1933
Tipo de fonte: Primária
Noel Rosa (Rio de Janeiro, 11/12/1910 – Rio de Janeiro, 4/5/1937) nascera e vivera na mesma casa de Vila Isabel por seus curtos 26 anos de vida.
Em virtude de um parto difícil de sua mãe, feito à fórceps, Noel foi acometido de uma alteração no osso do queixo que acarretou uma deformação em sua face, por isso “ficou conhecido na Vila por Queixinho” (veja.abril.com.br).
Noel cresceu em uma sociedade de contrastes, “num Rio de Janeiro de confeitarias elegantes e morros já apinhados de gente pobre”. Aprendeu as primeiras letras com sua mãe, que lecionava em casa, e prosseguiu seus estudos no Colégio São Bento, até que decidiu cursar a faculdade de Medicina, onde ficou por três anos, mas abandonou-a porque já desenvolvia seus verdadeiros dons: o artístico, músico e poeta. “Aos 23 anos casou-se com Lindaura, de 13, a quem engravidara. Ela perdeu o bebê e ele não deixou herdeiros” (veja.abril.com.br).
Em sua carreira como músico, Noel produziu cerca de 250 canções, com muitos sucessos que são gravados até hoje por vários interpretes. Mas em sua ligeira existência, seu parceiro mais fiel era o violão, que o acompanharia em sua caminhada de boêmia pelos bares e serestas dos morros cariocas.
“Sua paixão pela música popular, que era grande, aumentou depois que conheceu Sinhô, o Rei do Samba” (veja.abril.com.br). Desde então passou a ser freqüentador assíduo das rodas de samba e cabarés de Vila Isabel, Salgueiro, Mangueira, Estácio, entre outros, e assim soube descrever esta vivencia popular em sua arte musical.
Como profissional, participou primeiramente do Grupo Tangarás, em composições sertanejas, maxixes, toadas e canções nordestinas. Com a consagração de seu primeiro sucesso: Com que Roupa, em 1930, despertou o interesse da mídia fonográfica e foi chamado para um emprego fixo no programa Casé da Rádio Phillips. “Seu talento para arrancar o riso em letras que narravam as vicissitudes da vida e as armadilhas do cotidiano encantava o público” (veja.abril.com.br).
Teve vários parceiros do asfalto, com renomados nomes da Era do Rádio, como Lamartine Babo, Vadico, Ary Barroso, João de Barro e Francisco Alves (o Rei da Voz), mas gostava mesmo era do “contato com os sambistas dos morros da Zona Norte” (veja.abril.com.br).
Naquela época eram comuns as ocorrências de disputas musicais entre os artistas do samba, que através de suas canções faziam discussões artísticas dignas de sérias polêmicas. Neste sentido, participou também Noel de uma disputa com Wilson Batista, que o atacava com respostas enviesadas em canções, neste ensejo foi criada por Noel a bela canção Palpite Infeliz como resposta final desta disputa.
Noel era um poeta apaixonado pelo samba, pelo povo e pelas musas que colecionava em suas músicas e em paixões platônicas (como aconteceu com a Dama do Cabaré – Ceci) (veja.abril.com.br).
Em 1937, aos 26 anos, morria o poeta do samba, que desenhou o cenário da vida popular carioca dos anos 30. Morria depois de longos anos de debilitações pela tuberculose, que o mantinha sempre adoentado e algumas vezes internado, mesmo assim sem ter nunca abandonado a vida boêmia que o consagrara.
Análise musical: Em suas obras, Noel Rosa descrevia com poesia e algum sarcasmo a alma do carioca, da gente dos morros, do cotidiano urbano e das incongruências das desigualdades. Por esse dom de letrista e sambista era também chamado de Filósofo do Samba.
Nesta canção, Filosofia, além da harmonia de samba-canção melancólico e intimista, ele mergulha fundo na crítica social à desigualdade, retratando uma sociedade aristocrata que se via escrava das aparências e dos interesses de classe, além de ser preconceituosa, sem se importar com a carência de condições dos populares que não tinham direitos e eram marginalizados da sociedade.
Como contra ponto desta demanda, Noel proclama que na vida simples é que se encontra a verdadeira alegria, sem disfarces, e que não pode ser comprada com dinheiro, pois ao rico, só lhe resta “cultivar a hipocrisia”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerro aqui a primeira parte desta senda musical da história da música popular brasileira. Digo primeira parte porque não finaliza mesmo aqui, esta caminhada ainda pode ser contada pelo longo caminho anterior e posterior à datação escolhida, a primeira República do Brasil, fonte em que se localiza a fase de qualificação e de consolidação da música popular como símbolo da identidade nacional e cultural do país.
Foi verificado nesta pesquisa, integrando fontes históricas e balanço historiográfico, o que era objetivo desta análise: a confirmação da circularidade cultural entre etnias e classe do povo brasileiro através da expressão musical popular, que mesmo sendo tratada como “bárbara” e “esdruxula” e sofrendo repressões contínuas do aparelho policial sobre as ordens da elite governamental, podemos considerar realmente que a voz do morro desceu suas ladeiras para alcançar o âmago da nacionalidade brasileira, sempre entre lutas sociais por reconhecimento de valores, antes subjugados ao ideário positivista europeu que influenciava a intelectualidade e os governantes brasileiros; esta voz popular de ex-escravos, imigrantes baianos e da gente simples e criativa que durante muito tempo tinha sido marginalizada socialmente, por fim conseguiu envolver todos os demais componentes da sociedade carioca em seus ritmos fortes e incisivos de percussão e alegria voluptuosa e de melodias e letras restritas, mas que exaltavam a reunião e a superação de suas condições em busca da unidade e do intercambio entre os entes da nação. O Carnaval, os teatros, as serestas, as festas, os bailes, os cafés e bares, celebravam a alegria e a união social entre diferentes etnias e classes, e isto fora bem aproveitado pelo projeto nacionalista de Getúlio Vargas e pelo mercado fonográfico que se consolidava nos anos de 1930.
A importância de trabalhar com estes dados históricos é fundamental para compreender e preservar a história da formação cultural no Brasil, revelando uma história que não é linear e homogênea, ao contrário, é contraditória e miscigenada em valores e identidades heterogêneas de seu povo e que por isso mesmo seja tão original e específica deste país.

ALMIRANTE, No Tempo de Noel Rosa; 2ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977.
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Referências de pesquisas eletrônicas:
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MARIO PERDENEIRAS. Disponível em: http://www.consciencia.org/mario-pederneiras
CHIQUINHA GONZAGA. Disponível em: www.chiquinhagonzaga.com.br
NOEL ROSA. Filosofia. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=9qg4aAixzRc
PIXINGUINHA e ALMEIDA, Cícero de. Samba de Fato. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HgRWf3aDR54
GONZAGA, Francisca Edwiges Neves.  Gaúcho (Corta Jaca). Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=AlpTei7xMZo

ANEXOS
Fontes Musicais

CORTA-JACA (GAÚCHO)

Chiquinha Gonzaga

Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição
Ai, ai, como é bom dançar, ai!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!
Esta dança é buliçosa
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar
Este passo tem feitiço
Tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo
Nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó
Quem me vir assim alegre
No Flamengo
Por certo se há de render
Não resiste com certeza
Com certeza
Este jeito de mexer
Um flamengo tão gostoso
Tão ruidoso
Vale bem meia-pataca
Dizem todos que na ponta
Está na ponta
Nossa dança corta-jaca, corta-jaca!
SAMBA DE FATO
(Pixinguinha - Cícero de Almeida)
Samba do partido alto
Só vai cabrocha que samba de fato
Samba do partido alto
Só vai cabrocha que samba de fato.

Só vai mulato filho de baiana
E a gente rica de Copacabana
Dotor formado de anér de ouro
Branca cheirosa de cabelo louro, Olê.

Também vai nêgo que é gente boa
Crioula prosa a gente dá coroa
Porque no samba nêgo tem patente
Tem melodia que maltrata a gente, Olê.

Ronca o pandeiro, chora o violão
Até levanta a poeira do chão
Partido alto é samba de arrelia
Vai na cadência até raiar o dia, Olê.

E quando o samba tá mesmo enfezado
A gente fica com os óio virado.
Se por acaso tem desarmonia
Vai tudo mundo pra delegacia, Olê.

De madrugada quando acaba o samba
A gente fica com as perna bamba
Corpo moído só pedindo cama
A noite tôda só cortando rama, Olê.

A bôca fica com um gôsto mau
De cabo velho, de colher de pau
Porque no samba que não tem cachaça
Fico zangado fazendo pirraça, Olê.

Filosofia

Noel Rosa

O mundo me condena, e ninguém tem pena 
Falando sempre mal do meu nome 
Deixando de saber se eu vou morrer de sede 
Ou se vou morrer de fome 
Mas a filosofia hoje me auxilia 
A viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim
Não me incomodo que você me diga 
Que a sociedade é minha inimiga 
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo
Quanto a você da aristocracia 
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia 
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=9qg4aAixzRc